O jantar do Santo Entrudo

ENTRUDO1

 

Nas casas onde dantes se matava o porco aqui pela Gândara, o que sempre acontecia pelo tempo frio, a carne era conservada nas salgadeiras. Ali se ia buscar o rabo do porco, com o qual no dia de Entrudo se confeccionava a tradicional sopa de grão-de-bico, posto de molho na véspera para bem cozer e a que se acrescentava massa meada. Algumas vezes, juntava-se ao rabo do porco, uma orelheira, uma focinheira, um bocado de toucinho e até uma morcela e uma chouriça, tudo acompanhado de muita broa. E, cá fora, dizia-se ter sido uma boda em honra do Santo Entrudo! É evidente que o costume de por aqui matar o porco, e consequentemente de confeccionar e comer a sopa em questão, era só para alguns, como nos atesta a prática de mendicidade que por cá acontecia nesta quadra de Carnaval. Com efeito, crianças pobres, enfarruscadas e mascaradas batiam às portas de cada um, pedindo um bocadinho de carne para o Santo Entrudo. E se aquela lhes era dada, logo ali a enfiavam num espeto de rameira, uma forma de mostrarem às pessoas a esmola que desejavam! Este procedimento corrente, que acompanhou, num mesmo tempo, o consumo da dita sopa, felizmente extinguiu-se. Mantem-se, no entanto, por toda esta nossa região, o hábito de comer a deliciosa sopa de rabo de porco, com grão e massa meada, acrescida de orelheira, focinheira, toucinho, morcela e chouriça no dia de Carnaval. Haja Deus! E porque estamos à volta de sabores que entre nós têm fé há mais de cem anos, cabe aqui agora, à laia de gulodice, falar dos rasulos, que sempre foram feitos na zona da Tocha, muito especialmente pelo Natal, quando se amassava a broa e se cozia abóbora-menina. Tal tinha a ver com a singeleza da sua confecção e dos seus poucos custos, o que era sempre de equacionar.


O termo rasulo é efectivamente um regionalismo que apenas encontrei no Glossário de Termos Gandareses, de Idalécio Cação, e que vai ao encontro da recolha que levei a cabo, quer quanto à forma da sua confecção, quer quanto aos ingredientes utilizados:


farinha de milho e de trigo, fermento de padeiro, abóbora-menina cozida, açúcar, canela, figos secos cortados em pedaços, algumas passas, um pouco de sal.


Escalda-se a farinha de milho na abóbora cozida e escorrida. Deixa-se arrefecer um pouco e só depois se junta a farinha de trigo, o fermento, a canela e o açúcar q.b.. Amassa-se. Depois de amassada, juntam-se os frutos secos. Deixa-se levedar. Por fim tendem-se os rasulos, como pequenas broas de forma redonda, que vão ao forno a cozer.

Votos de um bom Carnaval,
António Castelo Branco