TARDE ACORDOU, QUEM EM ABRIL PODOU

TARDE ACORDOU1

 

Nem a Páscoa conseguiu mudar o semblante carregado da gente da minha terra que, crente ou agoirenta, continua a consultar o reportório, a evocar os adágios, a rezar a Santa Bárbara e a olhar a televisão, quantas vezes como desempate!

A chuva que tem caído, o frio que tem feito e o vento que tem soprado, não têm dado tréguas para que um indelével sorriso se instale no rosto de quem, mesmo sem sol, ainda acredita na aleluia. As pessoas andam desacorçoadas com o tempo, é assim que se continua a dizer por aqui, quando as intempéries tomam conta das suas vidas.

Na realidade é isso que se constata e, particularmente, é isso que sente quem ainda não conseguiu plantar as batatas, que já deviam estar sachadoiras, semear os feijões, as favas e as ervilhas, em suma, cuidar da horta, do pomar e da vinha. Referindo-me concretamente à Gândara, neste tempo que corre, é confrangedor olhar para os quintais que ficam junto às casas, e verificar que não estão cultivados ou, se tal aconteceu, foram fustigadas pelos ventos e pela chuva em excesso. Outra constatação são os lençóis de água que se acumulam por todo o lado, transformando as terras em lama e impossibilitando a “novidade” de se criar.

Tal como citei, ao falar do mês de Março, são também muitas as anomalias e as ocorrências atmosféricas que caracterizam o mês de Abril, e a que o nosso povo continua a responder da mesma maneira empírica. Quando se refere que Tarde acordou quem em Abril podou, vemos que este dizer se cruza com o que diz: Quem poda em Março, vindima para o regaço, e ainda com estoutro: Vinha que rebenta em Abril dá pouco vinho para o barril. Com efeito a razão para que a poda não deve acontecer nestas alturas tem a ver com a cepa, já com rama, que vai gemer e perder a força! Sendo muitos e variados os refrões alusivos a Abril, a sua maioria incide na referência à água da chuva, ao frio e ao vento. Desde logo: Abril, águas mil; É próprio do mês de Abril as águas serem às mil; Uma água de Maio e três de Abril valem por mil; Abril frio e molhado enche o celeiro e farta o gado; Março ventoso, Abril chuvoso; Em Abril ainda a velha queima o carro e o carril, e o que sobrou, ainda em Maio o queimou; Em lua de Abril tardia, nenhum lavrador confia.

Para saber das sementeiras e das plantações fui ter com o Manuel Margarido, que é de Calvão e todos os domingos está na Tocha, a vender o que cultiva. Diz que este mês é bom para semear e plantar tudo, mas como o tempo vai, há que acautelar as pancadas de água, por via das adubações não se perderem, e a geada, nos batatais e na rebentação das vinhas. Para as abóboras porqueiras, o tempo certo é a primeira sexta-feira de Março e, para elas serem grandes, devem-se capar. As batatas devem igualmente ser plantadas em Março, pois as de Abril vão calhar num tempo muito quente. No entanto - como ele diz - tudo se cria, se a gente não se der ao madraço!


António Castelo Branco