REFLEXÕES E DESCODIFICAÇÕES

MANUELA41

 

Ao longo da vida, muitos de nós somos confrontados com questões que desafiam a nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. Desde os tempos marcantes da Revolução dos Cravos em Portugal, há meio século, até aos debates contemporâneos sobre identidade de género e orientação sexual. A evolução da sociedade reflete-se nas nossas próprias escolhas pessoais.

No dia 25 de Abril de 1974, testemunhei a Revolução dos Cravos em Portugal. Uma época de mudança e esperança pela liberdade há tanto desejada. Enquanto criança, fiquei em casa durante esses dias turbulentos, cheia de medo com tudo o que ia ouvindo da boca dos adultos, absorvendo as emoções e os gritos pela liberdade que ecoavam pelas ruas. Foi a geração dos meus pais que moldou esses tempos revolucionários, deixando marcas indeléveis na história e na consciência da nação.

Entretanto, decorridos cinquenta anos, hoje, outros valores se levantam e se questionam.

Na intersecção de gerações, encontramos um complexo tecido de experiências e transformações que moldaram o nosso presente. A geração dos nossos pais, que nos educou com valores profundos, muitas vezes evitava abordar certos temas delicados. O 25 de Abril em Portugal, marco histórico, trouxe consigo a liberdade e mudou paradigmas de convivência social, impactando diretamente com as preocupações da nossa geração.

Diante da crise dos anos oitenta, muitos de nós vimos-nos forçados a emigrar em busca de oportunidades e estabilidade, quando pensávamos construir o futuro num Portugal cheio de progresso e oportunidades. Num contexto em que a orientação sexual era amplamente um assunto privado e sensível de ser abordado, as mudanças sociais e culturais trouxeram à tona debates sobre identidade de género. Hoje, os jovens enfrentam novos desafios, preocupando-se não apenas com estigmas, mas também com a pressão das redes sociais, que por vezes provocam confusões comportamentais.

Hoje debatemo-nos com outros fenómenos preocupantes para a nossa geração.
Há pessoas a trabalhar e a viverem na rua, porque os salários não são suficientes para pagarem uma renda ou as prestações dos empréstimos bancários. O inflação é galopante, e os bens essenciais estão a preços inacessíveis. Há doenças que vão surgindo que matam sem avisar. As tendas que servem de habitação a inúmeras famílias, são cada vez mais abundantes nos grandes centros. Também há casos de várias famílias a viverem num espaço exíguo para poderem partilhar despesas debaixo de um mesmo teto.

Mas a discussão sobre identidade de género ganha destaque, com a emergência do tema dos indivíduos binários e não binários.

Eu tenho ligado estes dias a televisão para a minha mãe ver os seus programas preferidos e o debate tem surgido com frequência.

Surgem questões sobre como as escolas e a sociedade devem reagir a essas mudanças. Enquanto alguns procuram compreensão e aceitação para exercer sua identidade, outros veem-se diante de conflitos internos e dilemas pessoais. É que também há crianças nas escolas, que não compreendem porque vivem em tendas e passam fome e frio.

É essencial promover um diálogo inclusivo e acolhedor, especialmente em ambientes escolares, garantindo que cada indivíduo seja respeitado na sua singularidade. A educação e o apoio dos pais, também desempenham um papel fundamental nesse processo, criando espaços seguros para que as crianças e jovens possam expressar-se e explorar sua identidade de forma saudável.

A discussão sobre identidade de género e orientação sexual, que outrora era silenciosa, surge agora como um tema incandescente.

A recente história do "João", que quer ser chamado de" Mariana". O dilema dos professores que o/a acompanham na sua escolaridade, que se sentem confusos. Se lhe chamam João, porque é assim que está registado na escola e no nascimento em vez de " Mariana, " são punidos e chamados à atenção, porque afinal o menino/a que decidiu ser ou não binário, levanta questões complexas sobre identidade, aceitação e educação num mundo em constante mudança.

Também nós, gerações mais antigas, temos o direito a uma adaptação e mesmo formação a esse nível.
Questões essas, que na minha geração não se faziam.

Ou eras heterossexual ou eras homossexual, ponto final. Mas isso era numa fase mais avançada, não aos sete ou oito anos.

Nunca na minha infância encontrei um menino "João" que queria ser menina" Mariana ou Joana".
Nunca nenhuma "menina" com um pénis, tomou banho connosco nos balneários ou utilizou os mesmos espaços, ou vice versa.

Porque para mim, enquanto o "João" que quer ser "Mariana" tiver um pénis, eu sou anatómicamente diferente dele. Também eu não me vou sentir à vontade na minha intimidade a utilizar o mesmo espaço.
Como é que vamos fazer?
Na minha geração, também existiam pessoas diferentes e todos se respeitavam salvo raras exceções.

Não havia o termo de ser binário ou não binário.
Eu só conheci o termo dos códigos binários que nada têm a ver com identidade ou género.

Eu quis ser muita coisa. Também tive as minhas confusões tipicas e imaturas da idade.

Ser médica, professora, bombeira, mecânica, hospedeira, quis ser tudo isso, mas não tinha códigos mas nada tinham de escolhas de género.
Houve um episódio na minha infância que ainda hoje é falado em família. Eu quase castrei o meu falecido primo, porque achava que tinha que ter o que ele tinha para poder urinar de pé, um pénis. Eu tentava emitá-lo em tudo, mas ao fazê- lo, ficava sempre cheia de xixi pelas pernas abaixo, o que fazia com que levasse umas palmadas no rabo, dadas pela minha mãe .

Atenção, antigamente os pais podiam dar palmadas no rabo aos filhos. Hoje têm um processo no Ministério Público, sob pena de lhes serem retirados os filhos por levarem uma palmada educativa. Outros violam e matam os filhos e levam meia dúzia de anos de cadeia.

Também não quero discutir esse tema aqui, pois o que me trouxe foi o binário e o não binário.

Quando a situação da tentativa de castração do meu primo sucedeu, eu tinha só três anos e ele seis. A nossa inocência não nos deixava ver o perigo e não havia a noção de diferença de sexo. Havia para mim a noção que tinha que ser igual e de o imitar em tudo. Fazia parte do meu crescimento. Naquele dia, valeu- me a intervenção imediata e atenta da minha tia, mãe do meu primo, quando me viu com uma pequena tesoura nas mãos pronta a atuar. Vocês imaginam o que podería ter sucedido.
Mas nada teve de binário.

A evolução dos conceitos de género e sexualidade, desafia-nos a repensar as normas e a abraçar a diversidade que nos rodeia.
A aceitação, o diálogo e o respeito pelas diferenças tornam-se pilares essenciais para uma sociedade mais inclusiva e empática, mas são questões muito delicadas. Há que pensar que as crianças estão constantemente a ter ideias diferentes e a evoluir. Uma menina ou menino de sete ou oito anos, não sabe o que quer ser, ou se vai fazer as escolhas corretas.
Eu com essa idade não gostava de bonecas. Gostava de futebol, jogar ao bafa, berlinde, arco, jogar ao prego etc. Enfim, brincava muito na rua com os meus amigos/as.

A internet hoje contribui muito para isso também.

Os pais têm que estar muito atentos ao desenvolvimento intelectual dos filhos. Há que existir muito diálogo e informação.

Num mundo onde as fronteiras do que é tradicionalmente aceite estão em constante expansão, é fundamental cultivar um espírito de abertura e compreensão, mas com muitas precauções. As histórias como a minha e a tua, marcadas por vivências pessoais e questões interiores, iluminam o caminho para uma maior aceitação e respeito mútuo. Mas há escolhas das quais te podes arrepender mais tarde. Já estão a acontecer. Muitos arrependimentos pelas más escolhas feitas, terminam num outro fenómeno social muito triste que é o suicídio. Miúdos que quiseram fazer a transição, se arrependeram e que agora não há volta a dar. Só encontram uma solução para o problema com que são confrontados, pôr fim às suas vidas prematuramente.

De quem é a culpa?

Foi este mundo que quisemos para os nossos filhos e netos?

À medida que olhamos para o passado com gratidão, enfrentamos o futuro com a esperança de construir um mundo, onde cada indivíduo seja livre para ser autenticamente quem é sem arrependimentos.
Juntos, moldamos os pilares da sociedade com respeito, amor e aceitação.
Que estas histórias e reflexões nos possam ajudar a abraçar a diversidade e a evolução contínua do nosso mundo cada vez mais confuso.
Talvez este meu texto vos pareça também confuso, mas é isto que eu sinto.
Confusão de géneros, códigos binários ou não. Agora imaginem o que devo responder quando a minha mãe me pergunta porque é que aquele rapaz de barba do big brother, se pinta e veste de menina. Hoje foi o dia.
- Olha filha, é um "raparigo, não é?
Eu também não sei como explicar a uma senhora de oitenta e três anos o que é ser não binário.
Mas infelizmente ela já esqueceu, e eu também.
Será que estou a ficar fora de validade e tenha necessidade que me introduzam também um código?
A questão fica no ar.

Manuela Jones