O SR. F.
O sr. F. tem um segredo. Oitenta e muitos anos num corpo robusto, postura direita e farta cabeleira branca. Roupas de bom corte e de aparente boa qualidade. Bem barbeado e, imagino, perfumado. Apesar de eu viver no meu bairro há 43 anos, nunca tinha dado pela presença dele. Ou talvez não lhe reconheça o cabelo negro, a magreza e o andar célere de outrora.
O sr. F. tem um segredo. Há cerca de um ano e meio que, de segunda a sexta-feira, entre as 9h:47m e as 9h:50m, impreterivelmente, passa em frente à janela do meu quarto. Mão direita no bolso do casaco ou sobretudo (conforme a época) ou segurando o chapéu de chuva e telemóvel na mão esquerda. Todos os dias, à mesma hora, o mesmo(?) telefonema. Em passo tranquilo, em gestos tranquilos, o sr. F. lá vai conversando.
O sr. F. tem um segredo. Tal rotina deixa-me em pulgas acerca do/a interlocutor/a. Há quem o tenha ouvido tratar a “pessoa” por você. Filhos não devem ser, nem família próxima, nem negócios, nem o mecânico… Posta de lado qualquer hipótese banal, concluo que o sr. F. tem uma namorada! A quem mais poderia telefonar todos os dias, à mesma hora? Decidi, portanto, que se trata de uma namorada. E virtual! Conheceram-se no Facebook. A senhora é mãe de uma amiga da filha mais velha do sr. F. Vive suficientemente perto de Coimbra para, por vezes, colocarem a possibilidade de um encontro real, mas suficientemente longe para que a distância geográfica sirva de pretexto para as respetivas rotinas de vida que nenhum dos dois está disposto a quebrar. Têm este namoro tranquilo, sem sobressaltos. Todas as manhãs começam o dia perspetivando, a dois, o que farão. Falam, também, dos filhos, dos netos, de uma ou outra maleita. De vez em quando, o sr. F. atreve-se a uma ou outra palavra mais ousada, que a senhora recebe com condescendência. E assim vão sorrindo à lembrança de outros amores.
O sr. F. tem um segredo. Que se mantenha secreto…para durar!
Imagem retirada da net
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