RUÍNAS DA GÂNDARA

GANDARA1

 

Casas construídas com adobes que duram sensivelmente o que dura uma vida humana, assim escreveu Carlos de Oliveira n’O Aprendiz da Feiticeiro, palavras sobre as quais reflecti, naquela tarde, perante o cenário que se atravessou à minha frente sem que eu desse conta.

Dele constava uma casa gandaresa em ruínas, irremediavelmente perdida, cuja imagem logo registei com a emoção de um adeus. Isto aconteceu quando atravessava o lugar dos Barrins, que fica agarrado à Queixada da Raposa de Cima, dois nomes de baptismo dos muitos que ninguém sabe porquê.

Não obstante, fazem parte destas terras, outrora areias desertas, que o saudoso escritor mirense Mário Cupido, cuja memória aqui venero, não esqueceu de tratar na sua Toponímia Gandaresa. E volto de novo àquela edificação que, no seu todo, reflecte uma das muitas construções pobres que por aqui foram erguidas há mais de cem anos, porventura uma daquelas “casas onde caibas”, cujos adobes não resistiram ao tempo, tal como os madeiramentos ao bichado, os telhados às infiltrações das águas e das humidades e as argamassas, as portas e as janelas à corrosão e ao apodrecimento.

Desta vez, nem sequer as cantarias e os cunhais conseguiram travar por mais tempo as carcomidas paredes que acabaram por tombar para o caminho público, arrastando-as consigo na derrocada. Por de cima dos escombros, de um lado e de outro, limitei-me tão só a espreitar para dentro, tendo desistido de colher quaisquer outras imagens para além da que refere a derrocada, pois a visão era dantesca. Daí ter decidido que ficariam só para mim os registos pesarosos que contemplava e aos quais associei vidas ali vividas. Volto de novo a Carlos de Oliveira, àquela passagem da Casa na Duna, quando diz: “ na gândara há aldeolas ermas, esquecidas entre pinhais no fim do mundo. Nelas vivem homens, semeando e colhendo, quando o estio poupa as espigas e o inverno não desaba em chuva e lama. (…). E quis ouvir o eco daquela transcrição:
- Isso era o que se dizia viver por amor de Deus, num tempo em que se faziam caldos, quantas vezes com pontas de silvas, beldroegas, saramagos e ramas de favas a que se acrescentavam batatas ladroeiras e bocados de tôrta de cevada cheia de praganas, cozida na cinza do borralho, pois a fome era muita e não havia farinha de milho, nem lenha que chegasse para aquecer o forno! Foi assim que me contaram aquelas três amigas octogenárias num dia de sol, debaixo daquele grande chorão, não muito longe da casa em ruínas!


António Castelo Branco