A cidade dormiu cedo.

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A lua ilumina o céu, vem a voz de um negro do mar  em frente.

Canta a amargura da sua vida desde que a amada se foi.

No trapiche as crianças já dormem.

A paz da noite envolve os esposos.

O amor é sempre doce e bom, mesmo quando a morte está próxima.

Os corpos não se balançam mais no ritmo do amor.

Mas no coração dos dois meninos não há nenhum medo.

Somente paz, a paz da noite da Bahia.

Então a luz da lua se estendeu sobre todos,

as estrelas brilharam ainda mais no céu,

o mar ficou de todo manso

(talvez que Iemanjá tivesse vindo também a ouvir música)

e a cidade era como que um grande carrossel

onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães da Areia.

Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos,

soltando palavrões e fumando pontas de cigarro,

eram, em verdade, os donos da cidade,

os que a conheciam totalmente,

os que totalmente a amavam,

os seus poetas.

Jorge Amado - Em Capitães de Areia

Imagem retirada da net

Capitães da Areia é o livro de Jorge Amado mais vendido no mundo inteiro. Publicado em 1937, teve a sua primeira edição apreendida e queimada em praça pública pelas autoridades do Estado Novo. Em 1944 conheceu uma nova edição e desde então sucederam-se as edições nacionais e estrangeiras, e as adaptações para a rádio, televisão e cinema. Jorge Amado descreve, em páginas carregadas de grande beleza, a vida dos meninos abandonados nas ruas de São Salvador da Bahia. No livro, podemos encontrar este poema, um dos mais bonitos do autor.