Por qué no te callas?

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Na sequência da descoberta do seu aparente envolvimento em casos de corrupção e de lavagem de dinheiro, o rei emérito espanhol resolveu exilar-se (porventura em Portugal) e calar-se.

Depois de tantos escândalos, resta-me a esperança de que este recato tenha sido ditado pela vergonha que antes lhe faltou, pois, não sendo defensora de regimes monárquicos, se fosse cidadã espanhola, em face de tantas histórias que em nada distinguem a atitude dos membros da família real, há muito estaria do lado daqueles que defendem o seu fim.

Não obstante, de Juan Carlos de Espanha ficará seguramente para a História a imagem de um rei que muito ajudou o povo espanhol na transição da ditadura franquista para a democracia, bem como, daquele mesmo homem, restará uma outra faceta pouco própria de quem tomou assento em tão imponente trono (assim se comprovando a sua vulgar e contraditória condição humana). De resto, em 2014, em consequência da sua vida desregrada e das suspeitas do seu envolvimento nos fraudulentos negócios do genro (que entretanto foi condenado), Juan Carlos já abdicara do trono em favor do filho Filipe, que agora, numa tentativa de se demarcar da condenável conduta do pai, se viu obrigado a retirar-lhe a pensão vitalícia que lhe estava destinada e a renunciar a qualquer futura herança a que, por sua morte, viesse a ter direito.

E na memória colectiva ficará ainda a interpelação de Juan Carlos durante uma Cimeira ibero-americana realizada em Santiago do Chile em 2007, onde interrompeu um discurso inflamado e acusatório de Hugo Chávez para lhe gritar “¿POR QUÉ NO TE CALLAS?”.

Aquela sua resposta tornou-se viral e, desde então, já todos a repetimos um bom par de vezes, normalmente em tom de galhofa, como forma de calar alguém que insiste em dar aos outros sermões de que para si não faz uso.

Em bom português, poderíamos substituí-la pelos conhecidos adágios “Diz o roto ao nu” ou “Bem prega Frei Tomás”, mas a expressão inusitada e corajosa de Juan Carlos, inclinado na cadeira, é imperdível e, por isso, merece a minha preferência.

Vem isto a propósito da publicação da Fernanda Câncio (ex-namorada de José Sócrates) que, há poucos dias, divulgou no Twitter a seguinte reflexão: “parece então q juan carlos andou anos a encher-se de dinheiro sujo e ninguém da família suspeitou. nem ninguém estranha.”.

Ora, aquele tweet, vindo de uma senhora, jornalista de profissão (facto que, em princípio, deveria aguçar a sua atenção para circunstâncias bizarras), que nunca estranhou os gastos excessivos do namorado, às custas de quem fazia férias em hotéis caríssimos, com quem se instalava no luxuoso apartamento de Paris e a quem propôs a compra de um imóvel de luxo em Lisboa por mais de dois milhões de euros, sem nunca ter duvidado de que o ex-primeiro-ministro pudesse pagar todos aqueles caprichos, é, no mínimo, caricato.

Como se percebe, a Fernanda é a prova de que para quem não tem vergonha todo o mundo é seu, mas eu não tenho pachorra para o seu descaramento – confesso – e, por isso, apetece-me mandá-la calar, aos berros, como fez Juan Carlos a Hugo Chávez na dita Cimeira, “¿POR QUÉ NO TE CALLAS, Fernanda?”.

Apetece-me gritar-lhe a ela e ao dito ex-namorado, que, a coberto da lentidão da nossa justiça, vive à grande e à francesa num apartamento de luxo na Ericeira (mais uma vez emprestado – pois, claro), enquanto, sem vergonha nenhuma, se reafirma vítima de “velhacas insinuações e acusações falsas, injustas e absurdas” que põem em causa a sua “honestidade”.

E nem me tentem calar com a bendita presunção de inocência, porque esta apenas o faz insonte até à condenação judicial, mas, em virtude de todos os factos já conhecidos e até admitidos pelo próprio, jamais o tornará suspeito de ser homem virtuoso e casto.

Quanta desfaçatez, José! Como disse a Fernanda, quando te recusaste a visitar o dito apartamento do Chiado por achares que “Aquilo é um buraco, é no cu do mundo” era bom que te lembrasses que “Buraco és tu, tu é que és um buraco”. E, por isso, por vergonha, pelo menos, “¿POR QUÉ NO TE CALLAS”, tu também? 

 

Filomena Girão

Advogada

(Imagens retiradas da net)