O SILÊNCIO E A DITADURA

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Hoje, passados 51 anos do 25 de Abril de 1974, convém lembrar o mecanismo que manteve a ditadura do Estado Novo em Portugal quase meio século. E qual foi o mecanismo usado pelo Estado Novo para que os portugueses aguentassem um sistema de ditadura quase 50 anos?

O primeiro passo foi condenar todos os políticos como corruptos. O período republicano português foi caracterizado por uma mudança de diversos governos e alguns escândalos de corrupção. A generalização e a associação de liberdade política, em Democracia, à corrupção foi a primeira ação para a entrada da ditadura do Estado Novo.

Como exemplo em 1949, António de Oliveira Salazar, faz um discurso que reforça o poder de terminar com a democracia por razões de organização do Estado. Disse no discurso: «Em numerosos países, e em Portugal sem dúvida, a noção, o espírito, a finalidade dos partidos corromperam-se e as agremiações partidárias converteram-se em clientelas, sucessiva ou conjuntamente alimentadas pelo Tesouro. Findo o período romântico, ou até antes disso, que se segue às revoluções ditas liberais do começo do século XIX e em que os debates parlamentares revelavam com erudição e eloquência preferência pelas grandes teses da filosofia política, a realização partidarista começou a envilecer-se. Duvido se alguma vez representou o que se esperava; desde os meados do século passado até 1926 - em monarquia e em república — a vida partidária tem seus altos e baixos, mas deixa de corresponder aos interesses políticos e distancia-se cada vez mais do interesse nacional. A fusão ou desagregação de partidos, as combinações políticas são fruto de conflitos e de paixões, compromissos entre facções concorrentes, mas nada têm que ver com o País e os seus problemas.»

Com este tipo de discurso e outros parecidos consegue a agreminação da maioria a condenar a Democracia a bem de se construir o País. Os políticos e a vida política passam a ser os “culpados” pela má gestão dos dinheiros públicos. Numa tirania é sempre necessário encontrar-se uma explicação para calar todos os que pensam pela sua cabeça. Nesse falso argumento, mas que soa a explicação, generaliza-se e junta tudo o que vai contra o político, que não se assume como tal, que é Salazar.

Salazar coloca-se acima dos outros “políticos”, generalizando-os como “corruptos” expecto ele próprio. Assim, em nome de fazer crescer o país sob as suas ordens, vai retirando o direito de intervenção política de qualquer cidadão.

Retirando o direito de manifestação política de qualquer cidadão, legitimada pela “defesa da nação” (ou “a bem da nação” - como se escrevia na base de qualquer documento oficial), estavam criadas as condições para os passos seguintes da usurpação pela ditadura. Quando a um povo são-lhe retirados os direitos, acaba por esquecer que os tinha ou o desejo de os vir a ter.

Passo seguinte para a Ditadura se implantar é o de criar a censura. Controlar tudo o que os órgãos de informação escrevem ou dizem, com o mesmo argumento de que não se pode influenciar o povo a pedirem contas do governo do Estado Novo. Pois “quem denuncia os erros do Estado Novo é inimigo da Pátria” - a comunicação do Estado Novo cria a confusão entre o que é a Pátria do que é Salazar. Quem escreve ou fala criticando Salazar é visto como criticando a Pátria. Quando na realidade condenava o político não assumido que era António de Oliveira Salazar.

Se no primeiro passo se faz a associação e generalização de que todos os políticos, eleitos ou não, são corruptos, criam a separação de que Salazar não é político. Logo a seguir a comunicação social é controlada para reforçar a ideia da política como algo corrupto (hipocritamente o Estado Novo não era considerado política) e para aumentar a confusão entre Pátria e Salazar.

O terceiro passo é tirar a consciência política da maioria das pessoas. Passando a ideia de tirania que a única pessoa que sabe governar é Salazar e por isso não há necessidade das pessoas se preocuparem com a política.

Para os mais resistentes e para os que se afirmam pensando pela sua própria cabeça cria a PIDE. Nasce em 1945, numa reformulação meramente cosmética da sua antecessora PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado que em 1933 tinha formação com a Gestapo nazi) pois esta estava demasiado conotada com a «era fascista», a PIDE (acrónimo para Polícia Internacional e de Defesa do Estado) manteve os extensos poderes arbitrários da PVDE na sua tripla missão: garantir a «segurança do Estado» (eliminando a dissidência política); controlar as fronteiras e atuar enquanto serviço de informações. Para este fim, foi necessário criar uma rede de informadores recrutados num grupo que juntassem os mais frustrados, com os com mais sede de poder, sádicos e mais medrosos - agora apoiados pela sede de poder de Salazar.

A PIDE mantinha a mentira construida nos passos anteriores. Pois havia sempre alguém que resistia, que tinha outras informações, que via o outro lado do “muro do Estado Novo”. Esses eram perseguidos. Nos anos sessenta há uma visita da PIDE à sede da CIA, em Langley, nos Estados Unidos, onde mais de dez agentes aprenderam técnicas de vigilância de rua e métodos de abrir cartas sem deixar vestígios.

À PIDE juntavam-se alguns, muitos, elementos da sociedade civil. Os chamados pelas pessoas pensantes como “bufos” que usavam a delação para terem cunhas aos seus intentos. Esses serviam-se da opressão da PIDE para sobressaírem na sociedade do silêncio. Parte grande da sociedade da época contribuía para o poder de calar da PIDE.

É importante lembrar que a PIDE prendia para investigar. Muitas foram as pessoas ingénuas e desconhecedoras que eram torturadas apenas porque conversavam com suspeitos políticos. Algumas pessoas eram quase analfabetas e acabavam por ser presas e torturadas de forma desumana.
Os pides, incapazes de fazerem trabalho de polícia científica, acabavam por prender primeiro e só depois faziam perguntas. A formação que, poucos pides tinham, iam apenas na direção dos cabecilhas da polícia. A maioria dos pides eram carrascos sem formação que usavam a sua frustração para descarregarem nas vítimas.

Praticamente não há distinção psicológica entre um adulto que agride uma criança e um pide. Há uma frustração descarregada em alguém mais indefeso.

Um estudo do Grupo de Estudo da Tortura (criado após o 25 de Abril), considerando que os dois principais métodos utilizados pela PIDE eram a privação do sono e o isolamento, seguindo-se os espancamentos ou até os choques elétricos.

A PIDE depois mudou o nome, por Marcello Caetano, para PIDE/DGS acabou por retirar alguma força aos pides levando a um certo branqueamento na sociedade sobre a visão da polícia política, imposto pelos países ocidentais. Na realidade havia muita gente com alguma importância na sociedade envolvida, direta ou indiretamente, com a PIDE/DGS.

A realidade é que o silêncio dos antigos presos políticos, por razões de terem sofrido traumas graves com que ficaram para sempre, não ajudou, mas, também, Portugal nunca mostrou grande interesse em lembrar a dor e continua a não mostrar. O condomínio privado que se construiu na sede da PIDE, em Lisboa (no Chiado), é paradigmático. Em Coimbra preservou-se uma certa memória, mas acabou por apenas interessar aos estudiosos.

O que não devemos esquecer são os diversos passos para montar uma ditadura em Portugal, com o objetivo de não virmos a repetir o erro.

AG
25-04-2025