APERTEM OS CINTOS...CULTURA OU DEFESA?
O governo português comprometeu-se a atingir os dois por cento do PIB em gastos com defesa até ao fim do ano. Portugal é um dos nove países, Aliados da NATO que ainda não tinha atingido os dois por cento, mas o primeiro-ministro já veio dizer que este ano essa meta será atingida. Já a meta do um por cento para a Cultura não foi confirmado pelo governo liderado por Montenegro.
Para uma maior contextualização é importante lembrar que os países da União Europeia investiram em média 1% do Produto Interno Bruto (PIB) na área cultural, enquanto Portugal está abaixo dessa média, com apenas 0,4% do PIB dedicados a esta área. Enquanto países como a Letónia ou a Hungria gastam quase 3% do PIB para a área da Cultura.
Num esforço de gerir o baixo bolo do PIB, o governo português tem que fazer escolhas. Neste caso está a ganhar o critério para o pagamento aos Aliados da NATO.
Quem defende esta escolha é o embaixador, Luís de Almeida Sampaio, que já foi Representante Permanente de Portugal junto da NATO, e que justifica a importância de atingir os objetivos definidos pela NATO, afirmando: «Isso tem implicações de natureza política. E tem implicações até na presença de portugueses no Secretariado Internacional da NATO, no International Military Staff, na importância maior ou menor da Voz de Portugal, quando o nosso embaixador se senta no Conselho ou quando os ministros da Defesa ou dos Negócios Estrangeiros, ou o Primeiro-Ministro se senta nas Cimeiras da NATO.» Num contexto é sublinhada a aparência, dado que Portugal nunca vai ter armamento nuclear e irá depender sempre de outros países.
Os países que têm armamento nuclear são: os Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e França - estes países são reconhecidos como "Estados com armas nucleares" pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP). Mas também a China, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte não sendo signatários do tratado, possuem armas nucleares não declaradas.
Neste xadrez de importância militar maior ou menor a voz de Portugal nas Cimeiras da NATO, pouco importa aos países com poder de armamento nuclear ou, até, que consentiram em ter armas nucleares de outras nações, como parte de acordos de compartilhamento dentro da NATO, por exemplo, Alemanha, Bélgica, Países Baixos, Itália e Turquia, que possuem armas nucleares dos Estados Unidos. Ou da Bielorrússia que acolhe armamento nuclear russo. Pois Portugal nem tem armas nucleares nem acolhe no território armas desta envergadura.
Mesmo que a voz de Portugal seja relegada para planos inferiores no tabuleiro militar, a verdade é que até ao fim do ano Portugal vai gastar dois por cento do PIB em defesa. Durante esta cimeira ficar-se-á a saber como e em quê. O que nãos e sabe muito bem em que é que se vai investir estes dois por cento portugueses.
Do outro lado da escolha está a Cultura que ainda não atingiu o um por cento do PIB. Mas será mesmo necessário este investimento que parte do aperto do cinto à maioria dos portugueses e das empresas?
A realidade é que, talvez contrariamente ao que se pensa, a cultura desempenha um papel fundamental na economia, identidade e na coesão social de qualquer nação. Em Portugal, o setor cultural é um pilar essencial, não apenas do ponto de vista social e histórico, mas também em termos económicos. A dimensão económica do setor cultural em Portugal revela-se através de diversos indicadores. São exemplo disso o emprego, o valor acrescentado bruto, e o impacto no turismo, entre outros.
Em primeiro lugar, o setor cultural em Portugal contribui de forma significativa para o Produto Interno Bruto (PIB). Segundo dados recentes de 2023, a dimensão económica da cultura em Portugal ascende a cerca de 3,3% do PIB nacional. Esta percentagem inclui atividades como as artes performativas, o património cultural, as indústrias criativas e os media. A crescente profissionalização do setor e a inovação constante têm impulsionado o seu contributo para a economia nacional.
Em segundo lugar, o emprego no setor cultural é uma área de grande relevância. Segundo dados do INE para o ano de 2023, o setor da Cultura tem uma dimensão económica ao nível do emprego estimada em 201 mil pessoas, correspondendo a 4% do emprego total em Portugal.
O contributo para o PIB português ascende a três ponto três de contribuição. Já a questão de investimento de um por cento na área da Cultura está muito mais longe do que os dois por cento dados à NATO para armamento.
Já em 2022, segundo o INE, existiam 75 370 empresas no setor cultural e criativo. Conseguimos destacar as que pertenciam às atividades das artes do espetáculo (26,2%), arquitetura (13,7%), design (12,4%) e às de criação artística e literária (8,8%). No total, estas representaram 61,1% das empresas culturais e criativas. Por conseguinte, o volume de negócios totalizou 8,1 mil milhões de euros (+21,5%). As agências de publicidade, o comércio de jornais, revistas e artigos de papelaria, a televisão e a arquitetura representaram mais de metade (53,1%) dos negócios do setor.
É assim possível considerar que o setor cultural em Portugal tem uma dimensão relevante à qual é necessário criar as condições para o seu crescimento sustentável.
Inegavelmente, o turismo cultural é um dos principais motores do setor cultural em Portugal. O país é conhecido pelo seu rico património histórico, pelos seus museus, festivais e eventos culturais. O turismo cultural gera receitas significativas, tanto diretamente, através da venda de bilhetes e ingressos, como indiretamente, através do consumo em hotéis, restaurantes e lojas.
A dimensão económica da cultura em Portugal ao nível do turismo significa que cerca de metade dos visitantes dos museus são estrangeiros. Em 2023, foram contabilizados 8,6 milhões de entradas em 426 museus, que representaram 47,8% do total de 18,1 milhões de visitantes.
A Lei do Mecenato neste momento prevê para as empresas um conjunto de benefícios fiscais como por exemplo Dedução dos donativos em sede de IRC, ou majoração das despesas até 30%. Contudo, existem outros países onde essa majoração chega aos 60% ou até 65% em Itália. Este fator foi fundamental por exemplo para a reconstrução da Catedral de Notre Dame ou a conservação do vastíssimo património imóvel e artístico italiano.
Tal como vimos, a dimensão económica do setor cultural em Portugal é vasta e multifacetada. Desde a sua contribuição para o PIB e o emprego até ao impacto no turismo e nas indústrias criativas, a cultura é um catalisador de desenvolvimento económico e social. Reconhecer e valorizar o papel do setor cultural é crucial para assegurar o seu crescimento e sustentabilidade futuros.
Enquanto a decisão para apoio da NATO foi imediata, o caso da Cultura continua a representar apenas 0,4 da despesa total consolidada da administração central. Mesmo com a área da Cultura poder dispor de 597,3 milhões de euros, decididos pelo governo de Montenegro, mais 25% do que em relação a 2024. Apesar do aumento, o peso da despesa cultural no orçamento geral do Estado continua abaixo de 0,5%.
De considerar que o secretário-geral da NATO, Mark Rutte, não tem poupado elogios ao presidente norte-americano, Donald Trump, durante a cimeira da Aliança Atlântica em Haia e pede que os países associados aumentem para 5% sobre o PIB dos respetivos países, para alimentarem a NATO.
JAG
27-06-2025