“PRAIA DOS TESOS”, CADA VEZ MAIS PARA OS RICOS...EM MEMÓRIAS!
Com a chegada do verão e o calor a fazer-se sentir, somos imediatamente invadidos pela vontade de dar uns bons mergulhos no nosso querido Basófias, como carinhosamente chamamos ao nosso rio Mondego. As águas frescas sempre foram um convite irresistível, e, ao recordar esses momentos, as memórias da minha infância emergem como folhas ao vento.
Cresci em Santa Clara, onde as histórias do Basófias ecoavam nas conversas à sombra das árvores. Para nós, o Basófias não era apenas um rio, era como um personagem que contava histórias de aventuras, mergulhos e gargalhadas.
— Mãe, lembra-te da Praia dos Tesos?
— perguntei certa vez, enquanto estávamos sentadas no nosso banco preferido, a luz do sol filtrando-se entre as folhas. O seu olhar iluminou-se, mesmo que por um breve instante, como se as memórias começassem a dançar na sua mente.
— Ah, a praia dos tesos!
Exclamou ela, a voz cheia de emoção. — Era o lugar onde as famílias se reuniam habitualmente no verão. Os miúdos a brincar, e eu com os meus irmãos, também íamos muitas vezes .
A sua expressão tornou-se pensativa, como se estivesse a procurar as palavras que se escondiam nas brumas da sua memória.
— Era tão bom mergulhar nas águas do Basófias, sentir o sol.
O seu esforço para recordar era palpável. Apesar das dificuldades que o Alzheimer trouxe à sua vida, havia uma luz nos seus olhos quando falávamos do passado. Ela nasceu em 1941, praticamente à beira do rio, e as histórias da praia dos tesos eram parte intrínseca da sua infância. Acho que esta praia existiu até 1945. A minha mãe era muito pequenina, mas decerto ainda tem muitas memórias retidas na sua "caixinha" do passado.
— Mãe, conta-me mais!
eu encorajei - a, com um sorriso no rosto.
— O que fazias com as tuas amigas e os teus irmãos ?
— Ah, nós, levávamos os farnéis quando os havia. Um bocado de broa e sardinha.
— Os mais ricos levavam febras para grelhar!
Dizia ela, lutando para organizar as memórias que pareciam querer escapar- se.
— As nossas mães lavavam a roupa, enquanto nós brincávamos. O meu pai pescava. Eu era muito novinha.
A praia dos tesos, foi construída em 1935, por iniciativa da comissão de turismo. Situada em frente ao parque Dr. Manuel Braga, estendendo as suas estruturas na altura até ao Choupalinho, foi a primeira praia fluvial em Coimbra. Era o coração da cidade durante o verão, um espaço onde todos se sentiam em casa.
— Mãe, e as histórias dos refugiados durante a Guerra Civil Espanhola?
Perguntei, sabendo que esse capítulo também fazia parte do seu passado.
— Ah, sim, os meus pais falavam sobre isso. Foi por causa da guerra com os alemães.
— Coimbra foi um abrigo para muita gente.
Disse ela, a voz tremendo levemente, como se a palavra guerra cada vez a assustasse mais.
— As crianças eram como nós...brincavam à beira do rio, esquecendo as tristezas.
— O Mondego unia-nos a todos.
A emoção enchia o ar, e eu podia sentir o peso das memórias que lutavam para emergir.
Mesmo com as dificuldades, era como se o amor pela sua cidade, pelo rio e pelas experiências vividas ainda pulsassem dentro dela. A praia dos tesos não era apenas um lugar, era um símbolo de união e esperança.
— Hoje, as férias já são diferentes, não é, mãe?
Disse eu, tentando trazer um sorriso ao seu rosto.
— Sim, as crianças já não vão ao rio como antes.
respondeu ela, a tristeza a visível nos seus olhos.
— Mas eu espero que ainda conheçam as história, que sintam a magia que outrora nós sentimos. Que deixem os telemóveis e falem mais connosco.
Em cada palavra, eu via a luta dela para recordar, mas também a força que ainda existia nas suas memórias. O Basófias, com a sua beleza serena, continua a ser um testemunho da nossa infância e das experiências partilhadas. Um elo que nos une e que nos faz lembrar que, independentemente do tempo que passa, a alegria de um bom mergulho nunca se apaga.
— Mãe, as novas gerações ainda podem viver a magia do Basófias.
— As histórias que me contas, eu já as contei aos meus filhos e vou tentar ainda transmiti-las à minha netinha.
Ela sorriu, e naquele momento, o sorriso dela era como um raio de sol, iluminando tudo à sua volta.
— Espero que sim, minha filha.
Respondeu.
— O que seria de nós sem as histórias que nos ligam e sem as águas que nos refrescam?
— Hoje toda a gente vai para os "Algarves" ou para o estrangeiro.
Antigamente, mesmo só ia para a Figueira da Foz quem queria curar as maleitas com as águas e a praia milagrosa.
Assim, com cada verão que chega, renovo a esperança de que as novas gerações possam viver a mesma magia que nós vivemos. Que as histórias da Praia dos Tesos e do Basófias continuem a ser contadas à sombra das árvores, perpetuando a tradição de um lugar que, embora tenha mudado, nunca deixará de viver nas memórias e nos corações de quem ama Coimbra. Afinal, a verdadeira essência do verão reside na simplicidade dos momentos partilhados e na beleza das experiências vividas junto ao nosso amado rio, que sempre será uma parte de nós.
Manuela Jones