PROCESSO EM ANÁLISE
Ainda consigo ouvir o Almada Negreiros a vociferar do seu quase célebre poema “A Cena do Ódio”, escrito de um jorro em 1915: «E inda há quem faça propaganda disto: a pátria onde Camões morreu de fome e onde todos enchem a barriga de Camões!»
Numa cena de absoluto ódio, Almada, ainda berra em Lisboa: «Se ao menos isto tudo se passasse numa Terra de mulheres bonitas!/ Mas as mulheres portuguesas são a minha impotência!»
Na verdade já perdoei ao Almada Negreiros.
Até me dá vontade de vociferar em coro com o Almada: «- Oh pá, estás perdoado! Mas volta para poderes ser estudado na Cultura Portuguesa! Lá por achares que as mulheres portuguesas não são bonitas, não significa que em tudo o resto não tenhas razão!»
Ou...talvez também por isso os portugueses partiram nas caravelas à procura das tais mulheres bonitas e pelo caminho lá iam descobrindo outros mundos. Lá no meio das provas de coragem que o mar-oceano, salgadamente, lhes oferecia talvez se tenham agarrado à cruz de Cristo para não caírem. Nessa cruz que ainda traziam nas mãos, quando desembarcavam nas belas terras de vastos tons de verdes, ofereciam única coisa que tinham nas suas mãos calejadas: a cruz que os salvaram da fome e das tempestades da viagem. Talvez o partilhassem com os indígenas por fé e sem hipocrisia. Ou talvez o Almada até nem esteja errado e nós, as mulheres portuguesas, não sejamos tão bonitas como nos julgam o resultado das nossas muitas selfies.
Para confirmarem que as selfies estão erradas, apresento-vos os brasileiros que nos perguntam: porque é que os portugueses deixam sempre crescer o bigode? E respondem de imediato: «- É para os homens ficarem parecidos com as mães!» E assim temos que lidar com o nosso buço, típico das morenaças, que têm o coração na boca e a força na alma.
Ah! Esperem aí!
Esqueci-me que a palavra ‘alma’ se tornou, também, um dos termos cancelados pela cultura dominante (antagónica à ‘cultura portuguesa’) um conceito filosófico e intangível que a Ciência ainda não validou e de que os vândalos sociais desconfiam que seja algo que religa o terreno ao etéreo, essa área proibida, pertencente talvez aos círculos diabólicos das “teorias da conspiração” - como o elogio dos descobrimentos portugueses.
Dessa era onde procurávamos a sobrevivência e dessa gente que servia como escravos e punham-se em fuga. Tempo e gentes acabavam nas barcaças com velas brancas de cruz vermelha pintada. Não era só para encontrarem mulheres bonitas, mas tão só o paraíso terreno como escreveu Fernão Mendes Pinto que bem sabia o que eram as dores. E, claro, o Camões no mito da Ilha dos Amores. Contado nos Cantos IX e X de Os Lusíadas. Nestes cantos é relatada a vontade da deusa Vénus, que não era portuguesa e por isso bonita, o premiar os heróis lusitanos, com um merecido descanso e com prazeres sexualmente divinos, numa ilha paradisíaca, no meio do oceano sem carta geográfica: a nossa Ilha dos Amores, ou o paraíso para os outros.
No também nosso futurista século vinte e um ainda estamos a passar o Cabo das Tormentas. Ainda não chegámos. E escusam de perguntar, irritantemente, de 5 em 5 minutos se já chegámos. Pois ainda balança o país no que se tornou proibido fazer perguntas. Assim se impedem os verdadeiros debates e o que quer que destoe de uma narrativa fechada, que tem a linguagem como instrumento ideológico e que tanto se empenha em reformá-la e em produzir rótulos que põem imediatamente fora de combate quem se atreva a contar outra história.
Cheguem-se aqui para o cantinho. Isso. Meus amigos, pôr fora de combate a cultura portuguesa é impedir a História de mostrar o lado bom e também o mau é só impedir de ser.
Na confusão da tempestade de se desconhecer a cultura, procura-se a arma para compensar a falta de cérebro. Por esta altura, se fosse esperta, já teria enveredado por uma carreira ligada ao armamento (fábrica de balas?) ou ao negócio imobiliário.
Como não acerto uma, então resta-me fazer parte do esquadrão engravatado que monta guarda nos arbustos das redondezas para chatear os moradores a venderem as suas casas que valorizam ao ponto de não voltarem a conseguir comprar outra.
- Ai já não consegues comprar casa? Mesmo depois de a teres vendido? Então vai trabalhar a vender no imobiliário ou nos trabalhos pagos a módicas quantias em troca da tua alma. Extorquindo os apartamentos aos legítimos proprietários, para serem vendidos pelo quádruplo do preço original, até que não sobrasse nenhum, e alargar as suas fileiras, recrutando novos fatos impessoais de gente com direito a ordenado em moedas, que só precisa de saber repetir coisas vagas, como: “O processo ainda se encontra em análise”.
Tal como a Cultura em processo de análise pelo Estado português.
Até à próxima, que agora vou voltar a enterrar a cabeça no meu dia-a-dia.
Maria Júlia