FILOSOFIA = FILÓSOFO

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Sou licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,  mas......sou filósofo?

Poder-se-ia pensar que é filósofo aquele que pratica a filosofia, nos diferentes sentidos desta palavra. Historicamente é o inverso: a filosofia é a atitude ou a actividade do filósofo. É por isso que Pitágoras passou, já desde a Antiguidade, por ter sido o primeiro a definir o comportamento dos philosophoi em oposição implicíta ao dos outros homens, e implicitamente à dos sofistas, isto é, eruditos ou especialistas fazendo negócios com os seus conhecimentos. Tendo-lhes um tirano pedido para explicar o que é um filósofo, Pitágoras teria respondido através de uma comparação com os jogos pan-helénicos. Na multidão que acorria aos jogos, distinguiam-se três grupos: uns, segundo Pitágoras vinham para lutar; outros para, aproveitando-se da afluência de tanta gente, fazer negócio, e os teceiros, que são os "sábios" (Diógenes e Laércio), para se deleitarem com a contemplação do espectáculo. Ainda que controversa, esta história (durante muito tempo foi moda atribuí-la a Sócrates, devido ao aspecto lendártio de Pitágoras e da desconfiança legítima quanto aos autores que a contam) ela aproxima-se bastante daquilo que os pré-socráticos  em geral pensavam a respeito da sua própria atitude. A palavra filosofia parece não ter surgido senão um pouco mais tarde ( com Heraclito) para traduzir esta atitude perante a vida.

Não parece contrariar a tradição mais antiga o facto de muitos poderem ser filósofos, pelo menos em teoria, sem se referir, pelo ensino ou pela prática, a uma filosofia defenida como tal. Vale a pena também lembrar que ser filósofo, para a linguagem familiar, é adoptar uma atitude meio resignada, meio insatisfeita perante as dificuldades da existência e especialmente da existência individual. Esta definição não passa de um reflexo muito apagado da liberdade própria do verdadeiro filósofo. Uma caricatura significativa é a dada pela gíria, que chama "filósofo" a um sapato velho.

Encontram-se nos diversos textos discussões académicas para saber se este ou aquele autor de pensamentos é um filósofo. Seria filosófico  admitir que há filósofos sem sentido sentido amplo e filósofos em sentido restrito, com a condição:

1) De não excluir desta última dignidade os que não têm as mesmas opiniões do filósofo que fala;

2) De reconhecer que a primeira categoria pode ser extensiva a pensadores muito marginais, mas cuja efervescência intelectual é estimulante para a filosofia. Reciprocamente não se pode aceitar que qualquer filósofo está em melhor situação que um não filósofo para julgar da qualificação filosófica de outros. Em qualquer questão é necessário mencionar uma série de sentidos especiais, na sua maioria desaparecidos, mas que influenciaram no sentido geral da palavra até ao principio deste século:

- A atribuição pelos primeiros alquimistas de alguns dos seus textos a filósofos célebres, por exemplo Demócrito, juntamente com e influência sobre os seus círculos da filosofia neoplatónica, originou, muito cedo na Idade Média, a atribuição do título de filósofo aos alquimistas, nomeadamente ao nível das suas operações materiais. É deste uso que derivam arcaísmos tais como " ovo filosofal, pedra filosofal ou ao mercúrio dos filósofos" para designar uma substância semelhante ao mercúrio mas que não seria o mercúrtio corrente.

- A organização do ensino  da filosofia  em França ao longo do último século levou a atribuir o nome de filósofo também aos alunos dos "anos terminais" em oposição à retórica que se vinha criando, e mais recentemente para os diferenciar dos que escolhessem uma opção de matemáticas. Esta oposição estendeu-se logo aos professores: no século XIX conserva um tom de desconfiança a seu respeito, antes de assumir um sentido ligeiramente irónico, que provocou pouco a pouco o abandono desta acepção.

                                                                                              Antarco