Civismo: plantar para colher

caricature-gd30bde275-1920.jpg

O civismo não tem fronteiras. A falta dele também não.

À saída de uma grande superfície comercial, um homem com cerca de 40 anos, põe o pé na passadeira, fazendo uso do seu direito de peão, mesmo que não se tenha incomodado com o gesto repentino. Um condutor, aparentemente da mesma idade, deixa a pressa ou a presunção falarem mais alto e avança, sem pejo. Obrigado a parar em cima da zebra, protagoniza, com o peão, uma cena só equiparada a uma luta de molengões frangos de aviário, já que nenhum dos dois teve a ousadia de abrir a porta do carro e chegar a murros e pontapés. Serviu-lhes, lamentavelmente, a palavra para se insultarem um ao outro, às respetivas mães e restantes senhoras de ambas as famílias. Português o condutor, brasileiro o peão, que nestas coisas da falta de civismo, a insensatez não tem nacionalidade. É claro que, sem argumentos razoáveis, não resistiu o português a mandar o brasileiro para a terra dele e este a mandar o outro pentear macacos, expressão que eu pressupunha exclusivamente portuguesa. Escuso-me a reproduzir a restante verborreia proferida por ambas as partes.

O fim da altercação deu-se de modo abrupto e comovente. A menina, de cerca de 8 anos, que acompanhava o brasileiro, encostou-se ao pai, pegou-lhe na mão e começou a acariciá-la. Dirigindo-se ao condutor, deixou cair esta pérola: “Desculpe.”. Calaram-se ambos e os espetadores (sim, que nestas coisas de voyeurismo também não há fronteiras). O português pôs-se em marcha, sem alvoroço, o brasileiro atravessou a passadeira, de cabeça baixa, com a menina pela mão.

A aflição da criança estampava-se nos olhos húmidos, muito abertos para o rosto do pai, no pequeno corpo que encostava ao dele e nas duas mãozinhas que seguravam a que deveria protegê-la. O nó que, certamente, se formou nas gargantas de todos os que assistiam à cena foi um espelho do pânico que se adivinha numa criança que vê o pai prestes a ser atacado ou atacar alguém.

Educar um filho é uma tarefa difícil e desafiadora, sem dúvida. Está em causa a formação de outro ser humano, aquele que deve ser o mais importante na vida dos pais. O caráter, os valores, as habilidades socio-emocionais. Educar um filho requer muita paciência, dedicação e amor. Não deverão ser os pais os primeiros responsáveis ativos no desenvolvimento da capacidade de os seus filhos se relacionarem com os outros, de forma respeitosa, honesta, empática, solidária e tolerante? Não há dúvida de que a Escola e a sociedade em geral devem ser elementos comprometidos na formação de cidadãos conscientes e responsáveis. Todos devemos envolver-nos na construção de uma sociedade mais justa, pacífica e sustentável. Todos temos um papel a desempenhar neste processo. Mas, a verdade é que deve ser aos pais que se exige que sejam modelos de comportamento e ética, já que todos sabemos(?) que as crianças aprendem mais pelo exemplo do que pelas palavras. Incorporam o comportamento dos adultos que lhes servem de modelo e adotam-no, quer sejam positivos ou negativos.

A falta de civismo é um problema social e até nos espantamos quando encontramos seres considerados normais dentro dos parâmetros da sociedade que nos formatou, talvez exageradamente, é certo, mas com a qual temos de (con)viver. A esperança vem destes raros seres que, muitas vezes, de forma inata, ainda valorizam a regra mágica do respeito pelos outros.

Quem prima pelo civismo, pela urbanidade, respeitará, sempre, o seu semelhante!

Civismo: um legado a aperfeiçoar.

 

Paula Campos