ABORTO NA CONSTITUIÇÃO FRANCESA
Os deputados eleitos para o Parlamento francês reuniram-se nesta segunda-feira no Palácio de Versalhes para ratificar a reforma da Constituição francesa.
Foi feita uma mudança radical de cenário em França executada pelos 925 parlamentares das duas Câmaras que foram convocados pelo Presidente da República, Emmanuel Macron, para uma reunião excecional no Palácio de Versalhes.
Após a votação parlamentar na quarta-feira anterior, que validou nos mesmos termos da Assembleia o projeto de lei que visa incluir o direito à interrupção voluntária da gravidez (aborto) na Constituição, os deputados foram chamados a decidir pela última vez o texto do governo para ratificar a inclusão deste direito na lei fundamental.
De modo a que fosse aprovado definitivamente, o texto deveria ser votado por três quintos dos parlamentares. Sem grandes surpresas, pois dadas as votações em ambas as câmaras: a 30 de Janeiro, a Assembleia optou por aprovar o texto por 493 votos a favor. Formalizando uma clara vitória ideológica da Esquerda, que há vários anos defende que o direito ao aborto devesse estar consagrado na Constituição.
O assunto andou às voltas desde Junho de 2022 e depois de muita persistência pelos partidos de Esquerda, encabeçado por uma macronista, Aurore Bergé, então chefe do grupo Renascentista na Assembleia, foi quem colocou o assunto, do aborto a constar na Constituição, ao apresentar um projeto de lei com o objetivo muito claro de conseguir uma votação positiva no Palais Bourbon.
Como pano de fundo, a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, poucos dias antes, revogou o direito ao aborto. O assunto acabou por se tornar viral, levando a acesas discussões, onde a decisão americana passou a ser um argumento contra para os que recusavam que o direito ao aborto fosse colocado na Constituição.
O governo francês acabou por defender a ideia propsta pela primeira-ministra Élisabeth Borne. Poucos meses depois, em Novembro do mesmo ano, outra iniciativa, a de Insoumise Mathilde Panot, foi amplamente validada pela Câmara Baixa, com a aprovação do campo macronista, enviando um primeiro sinal positivo aos defensores da constitucionalização.
Em Fevereiro de 2023, o Senado, até então resistente à ideia, por sua vez votou a favor de um projeto semelhante proposto pela ecologista Mélanie Vogel, após ter tido o cuidado de reescrever, através do senador LR Philippe Bas, o título do texto.
Acabou por ser um primeiro passo, de mansinho, para a inclusão deste direito na Constituição, mesmo que grande parte dos senadores do LR permaneça adversário a esta proposta, chegando a considerar este texto inútil. Emmanuel Macron anunciou então, alguns meses depois, em Outubro de 2023, a sua vontade de tomar novamente a iniciativa num projeto de lei para acelerar o calendário.
Se a adoção deste projeto não causa grande surpresa na Assembleia , o voto concordante, do aborto na Constituição, estaria longe de ser obtido na Câmara Alta, onde senadores da direita e do centro olhavam com desconfiança para a redação de uma certa “liberdade garantida” proposta pelo executivo. Nos bastidores, vários responsáveis eleitos começaram a trabalhar para a decisão do “sim”, como os senadores centristas Dominique Vérien e Annick Billion. Com um resultado finalmente favorável, a maioria do grupo, incluindo os centristas, votaram finalmente a favor do texto do ministro da Justiça, Éric Dupond-Moretti , na semana passada.
Com esta estratégia de passo-a-passo se conseguir a aprovação que foi feita em Versalhes acabou num cenário sumptuoso para a adoção desta revisão constitucional onde foi colocado o direito ao aborto na Constituição francesa.
A separação de poderes exigiu que Emmanuel Macron não pudesse estar presente em Versalhes. A sessão foi presidida pelo Presidente da Assembleia Nacional, Yaël Braun-Pivet . Sendo o primeiro-ministro, Gabriel Attal, quem argumentou primeiro a defesa da inclusão do direito ao aborto na Constituição.
Apenas dois outros ministros estiveram na bancada: Éric Dupond-Moretti (Justiça) e Aurore Bergé (Igualdade entre mulheres e homens). O restante do governo esteve na galeria. Os deputados e senadores sentaram-se por ordem alfabética, e não por grupo político, como se costuma fazer nas respetivas câmaras. As declarações de voto, com duração de cinco minutos, ocorreram alternadamente entre os grupos da Assembleia e do Senado. Antes os parlamentares foram às salas vizinhas do Hemiciclo para votar, durante 45 minutos.
E os resultados foram divulgados às 18h30, tornando-se o primeiro país a ter o aborto na Constituição.
FJ