Editorial 18/07/2025

EDITORIAL 18 07 2025

PENSAR CONSTRUIR

Um dia, no meu passado mais recuado, o meu avô materno ensinou-me que uma casa, ou qualquer obra, começa sempre pela ideia que alguém tem de construir uma coisa. Enquanto me dava conta de como cresciam as árvores de fruto que tinha plantado, num terreno que mais parecia um quintal, ia-me instruindo.

«-Uma casa, por exemplo, nunca começa quando abrimos as fundações. Essa é uma fase importante da construção, como qualquer outra, mas a casa só se inicia quando alguém pensa em construir aquela obra.» O que me chamava a atenção é que o meu avô, Augusto Fernandes, enquanto me ensinava o processo de construir uma obra, não despregava os olhos do cuidado das suas árvores de fruto.

O cuidado a ensinar o seu neto mais velho fundia-se com o mesmo cuidado que aplicava a tratar as suas árvores. Guardo, também, essa memória. Hoje, analisando-a percebo que as muitas lições que me dava, sem sala de aula fechada, tinham um ponto comum: eram mais instrução para conter do que fórmula exata para usar.

São processos e não maneiras de fazer. Tal como cuidava das árvores libertava-as dos obstáculos para crescerem. Para cumprirem a sua função de árvores. Podiam dar mais ou menos frutos, podiam os frutos serem mais ou menos saborosos, podiam as árvores crescer mais ou não, serem mais ou menos direitas, mas não podiam deixar de ter liberdade de serem árvores. Tal como eu, o seu neto, de ter a liberdade de ser humano melhor ou pior, segundo cada sentença, mas nunca deixar de me cumprir como humano. Ou seja ser capaz de pensar.

Poder desejar, poder imaginar, poder criar, ter a possibilidade de antever, poder desenhar (que foi com esse avô que aprendi e que vejo hoje como sistema de pensar) poder fantasiar, poder inventar e até de construir. Isso era o que me fazia afastar os obstáculos que tentassem impedir-me de me cumprir. Era fortalecer a árvore ou o ser que se cumpre como humano. Tudo seres do mesmo planeta Terra.

A obra começa sempre com um desejo de a fazer. Esta ideia, aparentemente tão simples, é muitas vezes esquecida permitindo que cada pessoa e a própria comunidade não se cumpra na sua função primária.

Seguindo uma lógica mais material: é importante que quando se recupera uma casa velha, em ruína, por exemplo, se tenha em conta procurar o inicio da sua construção. Vale a pena procurar a ideia que teve quem iniciou a construção. Foi a construção feita para habitação ou para trabalho? Quem pensou a casa queria apenas a família ou queria receber mais gente?

Enfim há um conjunto de vontades na obra que, bem observadas, fazem um retrato da pessoa que a idealizou. E este processo é tão verdade para uma casa, como para qualquer obra humana. Ou até para o crescimento de uma cidade onde se revelam as muitas vontades que delimitaram a área urbana.

Por isso é que quem decide medidas para uma comunidade, deve procurar conhecer as vontades que definiram a comunidade ao longo do tempo. Usando as características do passado para poder projetar o presente no futuro. Isto é saber mais sobre a ideia de quem iniciou, mantendo o método, mas progredindo para novas ideias.

Em relação a Coimbra, como zona urbana, é necessário entender as muitas ideias que a fizeram. Mandar construir, com uma ideia desligada da ideia inicial, corresponde a fazer uma cidade de novo. Uma espécie de Brasília, que teve a ideia do então presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek, como parte do seu projeto de modernização do país. Não vale a pena classificar se foi boa ou má ideia do presidente brasileiro Juscelino. Qualquer ideia humana é sempre um paradoxo, pelo seu contraditório de ser boa e também má, mas sempre interessante por ser a semente de uma obra. Porém a obra tem que contar com a terra que a acolhe, com a história, ou neste caso, a ausência dela.

Diferente da ausência da História está Coimbra que pode deixar de ser Coimbra, se a preocupação de quem a governa for apenas de ter uma ideia desligada do que a iniciou. Desligar do passado é fazer uma cidade diferente à imagem e semelhança do seu criador e não à imagem e semelhança da cultura da comunidade, da terra que acolhe a semente.

Foi exatamente com esta preocupação que nasceu esta edição de O Ponney. Estas «7.930 CASAS QUE NEM SE ALUGAM NEM SE VENDEM» devem deixar os conimbricenses preocupados. Pois não se trata apenas do abandono urbano, nem da salubridade, nem da discutida política de gestão urbanística, mas revela-se, sobretudo, no desinteresse em conhecer a “ideia” que iniciou a construção da cidade. O desinteresse pela História e pelos seus elementos comuns apagam as possibilidades de crescimento da cidade e apenas demonstram a vontade de impor uma ideia pessoal desligada do que dá entidade à comunidade. De nada vale o bater com a mão no peito, ao falar dos personagens históricos, quando não se preocupam saber que ideias tinham e qual o propósito da comunidade que pensaram.

Mesmo as ideias desligadas da comunidade e implantadas, sem ouvir as referências da cultura dessa comunidade, têm custos muito mais altos. Mais altos do que o próprio preço de executar a ideia, mas que depois trazem as mesmas consequências nefastas sem nada aprender com o passado. O artigo «PREÇO MÉDIO POR UMA HABITAÇÃO SOCIAL» leva-nos a refletir sobre construir de novo sem ter em conta o passado e não planificando o futuro.

Desligando do passado, construindo, sem alicerces de intenções, o futuro fica torto, mal feito e tem como preço o «RESVALO DA ESTRATÉGIA EM COIMBRA». A falta de um planeamento, com aprendizagem na comunidade, tendo em conta os erros do passado, levam a erros de planificação sobre erros de planificação que saem caro a todos nós.

Entendo que é necessário perceber os «DADOS PARA O FUTURO DAS CIDADES» para juntar a ideia de perceber a cultura da comunidade e dar-lhe forma na conciliação.

O Ponney termina os destaques como iniciei este texto: é importante o cuidar para que cada ser se cumpra como humano. Por isso fechamos com um outro assunto que nos preocupa muito. E tão mau desrespeitar o direito à privacidade das crianças, como é mau o de separar umas crianças de outras instaurando o ódio quando diz que tiraram espaço a crianças “portuguesas”. Isto numa perfeita demagogia quando diz que as crianças impedidas de frequentar aquela escola eram filhos de “quem trabalha”. Esta situação, também, revela mais sobre o partido Chega. Este é, também, o lado bom da democracia que permite, na sua liberdade de expressão, o espaço para que cada um se revele. Seja cidadão, seja partido. O artigo tem o título « AS CRIANÇAS NÃO PODEM SERVIR DE ARMA DE ARREMESSO PARTIDÁRIO» tal como, infelizmente o são, nos divórcios de casais. Os dois lados, na sua luta desenfreada um contra o outro, usam tudo e todos os que têm à mão para arremesso. Este método de ódio é contrário à política que deve ter como fim o de conciliar opiniões diferentes. As opiniões de quem vive em Portugal.

Depois anunciamos um casamento particular, mas que é geral na forma como se passa ao segundo capítulo de uma história de amor. Coisas pequenas que encerram parte do muito que é a humanidade.

Nos artigos de opinião é dado a voz a Maria Júlia que nos traz uma questão interessante: é verdade ou não que o “Verão enlouquece as pessoas”? Numa análise humorística trata de uma reflexão muito mais complexa.

Manuel Jones traz-nos um texto sobre o amor. Desta vez o amor filial, mas também o amor à cultura das pessoas que marcaram a terra. Sabe o leitor quem é a “Amália de Santa Clara”?

José Vieira traz mais um artigo sobre as injustiças contra a comunicação social local, onde as Câmaras Municipais, de uma forma geral, são os coveiros da liberdade de expressão. Infelizmente, Coimbra é um desses exemplos - na minha opinião baseada em factos materiais.

Outra opinião tem Adriano Ferreira, que do alto da sua licenciatura, aplaude o poder institucional.

E assim fechamos mais uma edição com o sentimento de missão cívica completa.

Para todos quantos entendam criticar ou elogiar, agradecemos que nos enviem para o endereço de e-mail do nosso jornal O Ponney :
info@oponney.pt

Saudações conimbricenses;

José Augusto Gomes
Diretor do jornal O Ponney