Editorial 06-05-2023

Cada cavadela, cada minhoca

 

Cavadela.png

Abrem-se os jornais, escuta-se a rádio, olha-se a televisão e saltam à vista só desgraças, crimes hediondos, corrupção e mais corrupção. Investigações atrás de investigações fazem saltar aldrabices atrás de aldrabices, nepotismos. Garotadas e garotices.

Às voltas com a Gramática de João de Barros, sorrio. Tanta sabedoria explicada de modo assaz singelo. Leio no texto facsimilado: “Todo nome que convem a hómem e a molher será comũ a dous: como inventor, taful”.

A imaginação foge-me e penso no número quarenta e quatro, uma capicua, sinal de sorte, talvez de azar, e na hipótese do centro financeiro português se deslocar para Évora, cidade que já foi corte de reis e rainhas, de tramoias, aldrabices, conspirações, talvez também de podridão corrupta.

Continuo a leitura, paro e degluto em seco: “Numero ẽ[m] o nome é aquella distinçã per que apartamos hum de muitos, e ao numero de hũ chamã os grãmáticos Singulár, e ao de muitos Plurár, e falando pelo primeiro diremos o hómẽ verdadeiro tem pouco de seu. E se disser, os hómẽes bulrrões tem pouca vergonha, falo pelo numero plurár, por que sam muitos”.

Cogito: João de Barros, premonitório e premunitivo, não podia ter encontrado melhores exemplos para gramaticalizar a sociedade portuguesa hodierna: a singularidade do homem verdadeiro, isolado, espécie em vias de extinção; e a pluralidade dos burlões tafuis, rostos de sem-vergonha, faces ocultas, quase tudo à solta, protegidos pela inefável justiça apesar de tão honrados quanto a porca de Murça,

Os compadres zangaram-se e o país, embaraçado, divide-se. No interior dos partidos, a coesão treme: um chega-te para lá ou chega-te para cá começa a atordoar as mentes e a dividir.

Quem não deve não “treme”. Costa sente-se vitorioso; Marcelo foi a Inglaterra à coroação do rei. Ambos respiram fundo. A guerra mal começou, mas as cavadelas são cada vez mais fundas.

O teatro está montado. Porém, tudo não passa de desvarios, gambaladas (o mesmo que mentiras, aldrabices) e minhoquices.

A ver vamos.

ZEQUE