Vereador da cultura da Câmara de Coimbra... recordando...

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Um Conde/Governador de Coimbra que muitos "coimbrinhas" que tomaram conta da cidade desconhecem e preferem "estórias" de Cindazundas que ninguém sabe quem era de onde veio e para onde foi...

Sisnando Davides era natural de Tentúgal, pequena aldeia próximo de Coimbra, e que na sua infância teria sido capturado numa razia de Mouros, tendo sido levado para Sevilha. Ter-se-ia convertido então ao islamismo, o que lhe abriu uma porta de oportunidades que ele soube aproveitar como ninguém, atingindo o cargo de vizir do rei de Sevilha. Não era invulgar que assim acontecesse. Na verdade por esta altura o judeu Samuel ibn Nagrela (Shmuel HaLevi ben Yosef HaNagid), poeta e talmudista, ocupava o posto de vizir e chefe dos exércitos do reino de Granada (guardaria este último e importante cargo desde 1038 até à sua morte, em 1055 ou 1056). E na taifa de Saragoça o também judeu Yekoutiel ben Isaac era ministro e conselheiro do rei Ahmad ben Soulayman al-Mouqtadir.

Não há informações concretas sobre a primeira metade da vida de Sisnando Davides. Mas o facto de ter feito carreira em Sevilha, na corte do rei Al-Mutadid, faz-nos acreditar que teria «viajado» para o sul entre os anos 1027 e 1034, período em que Sevilha controlou a enorme taifa de Batalyaws (Badajoz), que incluía as cidades de Lamego, Viseu, Coimbra, Santarém e Lisboa.

A análise dos factos leva-nos a duvidar da versão oficial de que Sisnando Davides foi capturado enquanto jovem na sua aldeia natal de Tentúgal, numa razia de Mouros, pois nessa altura praticamente todo o Al-Gharb (o ocidente peninsular a sul do Douro) voltara a estar nas mãos dos Muçulmanos. Por esta altura Tentúgal, tal como Coimbra, eram localidades sob controlo muçulmano. A deslocação de Sisnando Davides para Sevilha ter-se-ia ficado a dever a outros motivos (a normal deslocação de pessoas dentro do mundo muçulmano), não a uma captura durante uma razia que não faria sentido dentro da conjuntura atrás indicada.

Se quisermos traçar um retrato fiável de Sisnando Davides não podemos dissociar o seu percurso de vida do de Samuel ibn Nagrela, tanto mais que ambos alcançaram os lugares mais altos dentro da administração dos reinos das taifas, tendo de ser os melhores entre os melhores, para vencer o preconceito religioso. Conhecemos bem Ibn Nagrela, um homem cultíssimo, que teria recebido o essencial da sua educação de seu pai, completando depois a sua formação com rabinos de Córdova, os mais conceituados. Não temos razão para duvidar de que David, o pai de Sisnando, terá preparado o seu filho da mesma maneira, talvez ainda em Tentúgal ou Coimbra. Viajando depois para Córdova (onde a tradição também nos diz ter sido educado) e Sevilha, aí terá o jovem Sisnando completado a sua formação. E deste modo ganha mais força a nossa tese de que Sisnando era um judeu de Coimbra/Tentúgal.

Não conhecemos as razões que terão levado Sisnando Davides a trocar Sevilha pela corte de Fernando Magno, em Leão, mas não deverão ser estranhas ao seu orgulho e à sua fortíssima personalidade. Quando em 1063 ou 1064 o rei decide reconquistar a cidade de Coimbra (fora conquistada em 878 e perdida em 987, na famosa expedição de Almançor), uma tradição coeva diz-nos que é Sisnando Davides quem está por detrás do projecto, convencendo o rei a realizá-lo. Verdade ou não, o que é certo é que o rei participa directamente na conquista da cidade, e com ele estão os seus filhos, a sua corte e muitos eclesiásticos, o que prova a importância que é dada então à cidade do Mondego.

A cidade é conquistada depois de um longo cerco de seis meses, e a Sisnando Davides, que terá tido um papel de grande destaque na conquista, é entregue não somente a sua administração, mas a administração de todo o território entre o Douro e o Mondego, o antigo condado de Coimbra, agora restaurado. Sisnando Davides, o judeu, torna-se um dos homens mais poderosos do reino de Fernando Magno.

A tradição indica-nos que, do ponto de vista religioso, Sisnando Davides é um moçárabe. E é bem possível que este homem, nascido de pais judeus e tendo recebido uma educação judaica, se tenha definido toda a sua vida como cristão. Experiente, sagaz, ele conhece bem a natureza humana. Homem de poder, amigo do poder, não nos custa admitir que publicamente se tenha convertido para ganhar a confiança de Fernando Magno e para manter a lealdade dos moçárabes de Coimbra (seria deste modo o primeiro cripto-judeu português). A opção mostrou-se correcta, pois governaria como um rei todo o centro de Portugal, até ao último dos seus dias, em 25 de Agosto de 1091.

"O País das Serpentes"

In António Olayo