Por via dos respeitos

Tasca-das-Tias-Camelas2.jpg

Era um homem pobre aquele, que sempre fazia questão de mostrar o seu apreço aos senhores da terra, quando estes lhe passavam à porta. Não se arredava para trás ao vê-los ainda ao longe, isso não fazia, antes se punha ao alto se estivesse por ali encostado ou assentado. Geralmente eram eles que, mal o viam, entabulavam conversa, pois conheciam-lhe os propósitos: - Então Manuel, como vai a vida? Tens tido trabalho? Já há por aí mais algum herdeiro? E ele respondia com a gaguez que manteve desde menino, após um medo que lhe pregaram num Entrudo. Se tinha o chapéu na cabeça tirava-o e sempre atenciosamente perguntava, quando algum se cruzava: - Ó Senhor Mateiro, ó Senhor Heleno, ó Senhor José, ó Senhor… vai um copo? E todos eles respondiam da mesma forma mostrando-lhes a sua gratidão: - Não Manuel, obrigado, fica para a próxima. Ele insistia: - Aceite que é de boa vontade. E cada um à sua maneira agradecia com franqueza, bem sabendo que, na realidade, o Manuel não tinha o vinho que oferecia, mas em contrapartida tinha a estima que lhes devotava. Acontece que aos domingos, ao fim da tarde, o nosso homem costumava dar uma volta pela taberna do Chiba Russa, sem fazer gastos, pois os tostões eram para matar a fome aos filhos. Ainda assim, sempre ali dava dois dedos de conversa à rapaziada que gostava de lhe ouvir as confissões: - Ó tio Manuel, porque é que vossemecê oferece uma pinga, só a determinados senhores, quando eles passam à sua porta? E ele, com a sinceridade estampada no rosto, sorria e respondia-lhes: - Atão bocês não… não sabem que…que eu não tenho lá…ne… nenhum binho? Eu of..ofereço àqueles homes porque sei que..que eles não aceitam, na…não são gente de beber! É uma for…forma de lhes mos…mostrar…os meus respeitos. E voltando-se para os que o interpelavam rematava: - Com .. vo…vocês não posso eu tê… ter essas franquezas, pois aceitavam logo e, e, ..e eu não posso dar aquilo que não tenho!

/Foto retirada da ne t- Tasca das Tias Camelas)

                                                                                                                                                                                                                                          António Castelo Branco

                                                                                                                                                                                                                                          Coimbra