Ponte Real de Coimbra

A PONTE AFONSINA, OS DIREITOS DA PORTAGEM E OS TEMPLÁRIOS

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 Alguns metros a jusante do local onde foi construída a actual Ponte de Santa Clara existiram, no decorrer dos séculos, outras pontes edificadas umas sobre as outras, ocupando assim a mesma posição em planta, mas diferindo na altura, e que foram, sucessivamente, desaparecendo por imposição do assoreamento do leito do rio.

Pinho Leal, no seu “Portugal Antigo e Moderno”, baseado na tradição popular, afirma que o imperador Trajano, pelos anos 110 da era de Cristo, mandou edificar uma ponte que assentava já sobre uma outra, antiquíssima. Depois desta, referem-se, o mesmo e outros autores, à construção de duas obras de arte, noticiando que em 1132 (outros apontam o ano de 1118), D. Afonso Henriques e, no princípio do século XVI, D. Manuel mandaram construir pontes que iam assentando nas existentes ao mesmo tempo que a progressão do assoreamento do leito do rio obrigava a abandoná-las.

"Era MCLXX Idem Rex cepitedificaremonasteriumSanctaeCrucis in subúrbio Colimbrieet pontem fluminisjuxtacivitaten, annoregni sui quarto" (ChronicaGothorum. In PortugaliaMonumentaHistorica, Scriptores, p.12).

Mandada edificar por D. Afonso Henriques em 1118, possivelmente sobre uma anterior, tinha uns quatro a cinco arcos muito altos, sustentando bem acima das águas o seu tabuleiro. Durante largos anos as grandes cheias não chegavam ao pavimento da ponte nem alagavam o arrabalde citadino. Os estragos iam-se reparando com facilidade, graças aos donativos de reis, nobres, bispos e até da pequena burguesia, que nos seus testamentos e esmolas se lembravam da ponte.” (A. Da Rocha Brito, “Filipe Tércio e a Ponte Real de Coimbra”, Arquivo Coimbrão, p.1).

Os direitos na portagem de Coimbra, após o atravessamento da ponte e de uma torre na sua extremidade (no principal eixo viário do reino,por onde passava a via romana Olisipo-Bracara), estiveram até 1306 na posse dos freires do Templo, altura em que D. Dinis voltou a chamá-los ao poder régio, “escambando-os” [trocando-os] por outros bens, nomeadamente por duas vilas (Vila de Rei e Vila Ferreira). Esses direitos praticavam-se provavelmente desde a época romana e terão chegado aos templários em data incerta.

É de facto intrigante que um direito destes, que deveria ser régio e que era, ainda por cima, respeitante à portagem da ponte da capital do reino, na principal estrada norte-sul, estivesse nas mãos dos Templários. O que teria originado semelhante negócio com os primeiros reis de Portugal? Qual seria a contrapartida que os freires cavaleiros teriam contratualizado com os nossos monarcas ?

Não há no entanto quiasquer dúvidas pois o Livro das Lezírias de D. Dinis, integrado nas Chancelarias régias, assim o regista num documento de 13 de Agosto de 1306 (fl. 61v)

"Carta per que foy feito scaynbo amtre el rei don Diniz e os religiosos freires da ordem do Temple da leziria que chamam dos Freires e direito que os ditos religiosos tinham na portagem de Coimbra e padroado de Santiaguo de Trancoso que o dito rei gançou pera si pollo padroado da igreia d' Aluaiazer e Villa de Rey e Villa Ferreira com os senhorios dellas que os ditos religiosos gancaram pollo dito scaynbo.

"[...] Sabham quantos este stromento uirem e leer ouuirem que na era Mª CCCª e quarenta e quatro anos, conuen a ssaber treze dias de Agosto na cidade de Lixbõa [...] Jtem os dictos frey Gonçalo Fernandez teente o logo do maestre e ffrey Louenço Martijz comendador do que a o Tempre en Sanctaren e ffrey Martin Affonso comendador do que huma a ordin do Tempre em Lixbõa con outorgamento dos ffreyres da dicta ordin deron e outorgaron a mjm e a todos meus scessores todo o derecto que a dicta ordin auya ou deuia auer na portagem de Coimbra e quitaron-xi-mj del pera todo o sempre [...]" (Nogueira, Bernardo de Sá, Livro das Lezírias d' El-Rei Dom Dinis, Lisboa, Centro de História, 2003, p.162-163)

NOTA: A representação da Portagem é a que figura na imagem de Georg Hoefnagel, executada cerca de 1566, publicada na obra Civitatis Orbis Terrarum, editada em Colónia.

 

(Cap. 9.2.2. em https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/31013 )

 

Retirado de: Coimbra Medieval – WIX

 

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