FELISBERTO ÂNGELO LEITE DE CASTRO VILELA PASSOS

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(Casa da Breia, Cabeceiras de Basto, 13/7/1906 - 9/12/1986)

FELISBERTO ÂNGELO LEITE DE CASTRO VILELA PASSOS

(Casa da Breia, Cabeceiras de Basto, 13/7/1906 - 9/12/1986)

Guitarrista, poeta e compositor ("Adeus, Minho encantador"), fundador do "Fado Académico", na década de 1930, com Jorge de Morais ("Xabregas"), Serrano Batista, Alexandre Sá Carneiro e Albano Noronha,

recordado no livro de sua Filha, Estela Ângela Leite de Barros Vilela Passos, "A Casa de Paço de Vides - História da Família - Os Vilela Passos", 2005.

As cartas escolhidas para reprodução retratam bem a personalidade de Felisberto Passos: a indignação face à injustiça das classificações académicas (carta ao pai), os fortes laços de camaradagem (cartas de Alexandre Sá Carneiro e Afonso de Sousa), a graça dos amigos Condorcet Pais Mamede e Sá Carneiro (o “Afonso XIII”, dadas as semelhanças narigais com o Rei de Espanha) e, por último, a grande amizade com Artur Paredes, revelada em duas cartas dramáticas face à degradação do seu estado de saúde.

I - Carta de Felisberto Passos para o pai (Augusto Ângelo de Vilela Passos)

"Coimbra, 28

Papá:

Escrevi um bilhete postal há bastantes dias, dando notícia do meu resultado nas provas escritas, que foi de duas notas positivas. Se não tivesse estudado e redigido tão bem as minhas provas, nunca poderia esperar benevolência destes meus «justos» mestres.

Pelos jornais poderá ver que 90% são reprovações, o que nos tem desgostado imenso.

O Albano passou com dez, depois duns actos verdadeiramente vergonhosos. Passou à sombra dum outro era recomendado pelo D. Duarte Nuno. Em Lisboa tem corrido diferentemente, pelo que poderá ver no «Povo». Estou não desanimado, mas irritado com todas as injustiças. Sou senhor da matéria e vou sem empenho nenhum, para melhor poder entrar, altivamente. Por toda a semana devo entrar, mas de qualquer maneira estou satisfeito com a Faculdade de Direito de Coimbra, que me tem feito muita justiça. Não se compreendem estes lentes. Estou bem preparado, só espero a justiça. Se não for feliz, mando dizer por carta, e duma vez para sempre não volto à Universidade de Coimbra fazer qualquer acto, espero só notícias daí para levar as malas.

Saudades a todos,

seu filho muito amigo,

Felisberto."

II - Carta de Alexandre Sá Carneiro para Felisberto Passos (23/5/1933):

"Meu caro Felisberto:

Pediram-me como teu amigo para te escrever a fim de te comunicar que é absolutamente necessária a tua presença aqui no dia 26 para tomar parte no espectáculo que, como sabes, a Comissão Central da Queima das Fitas realiza a favor da Filantrópica.

Eu e a «roda amiga» juntamos o nosso apelo desesperado, porque, bem sabes, este ano é a nossa Despedida e custar-nos-ia imenso ver faltar junto de nós, no jantar de despedida, a tua boa alegria e sã amizade.

Não prescindimos de maneira alguma de ti, de sorte que julgo que não quererás obrigar-nos a gastar o nosso magro dinheiro em um automóvel para te ir buscar, caso não compareças aqui em Coimbra no dia 26 - rápido da manhã.

Partindo do princípio de que está tudo combinado, abraça-te o teu amigo

Sá Carneiro

23/5/33."

III - Carta de Afonso de Sousa para Felisberto Passos:

"Meu caro Felisberto Passos,

Encantado sempre com as notícias dos bons e saudosos amigos - entre os quais figura o meu prezadíssimo Felisberto, colega das tertúlias.

Mas quanto ao convite que me faz, bem vê que não estou indicado, na minha modéstia, para tão cativante missão.

O Felisberto confunde-me. Seria, em meu entender, uma atitude muito pretensiosa esta a de prefaciar um trabalho alheio. Ora pense bem.

Mas falaremos mais detalhadamente no assunto no próximo dia 2 ou 3 de Maio (Aniversário da Tuna - 75.º ano), em Coimbra, onde certamente não faltará.

Entretanto, vai um grande abraço do seu muito dedicado e velho amigo,

Afonso."

IV - Carta de Condorcet Pais Mamede para Felisberto Passos:

"Meu barato Feliz Aberto.

O nosso comum Amigo Afonso XIII Rei de Hespanha acaba de jantar comigo. As suas impressões são as seguintes: (É ele que dita) Um vinho branco uma competência. Uma aguardente capaz de fazer ressuscitar um outro Lázaro.

Blagues boas como sabes que ele sempre tem. E pena de tu não estares presente.

Mais disse o homem, Sá Carneiro, que já está arrependido (é mentira [letra de Sá Carneiro]). (isto é que é mentira [letra de Condorcet]) (não concordo; ele é que mente. Sá Carneiro). (Não acredites que ele é burro). Mais disse o homem, repito, que já está arrependido de te ter escrito a carta, que escreveu, a dizer que mandasses dizer que não podias ir à Madeira. Isto é, tu vais escrever a dizer que vais. É uma bela viagem que é preciso aproveitar. Não se devem perder as ocasiões. Um abraço muito repenicado e um beijo muito apertado do teu amigo

Condorcet.

P.S. [com letra de Sá Carneiro]: Não acredites na última parte da carta.

Um xi-coração do teu amigo

Penca.

2.º P. S. e último. Muito bem, não deves acreditar na última parte da carta.

Condorcet."

O 1.º post-scriptum, assinado por "Penca", é da autoria de Alexandre Sá Carneiro, conhecido por "Afonso XIII" dadas as suas semelhanças fisionónimo-narigais com o Rei de Espanha.

V - Carta de Artur Paredes para Felisberto Passos:

"Meu querido amigo Felisberto:

Como deve calcular, fiquei muito contente por ter recebido as suas notícias tão repassadas de ternura e sincera amizade.

Os versos que teve a gentileza de me ofertar e que muito agradeço, provocaram em mim, como é natural, muitas saudades e representam um autêntico hino à minha terra natal: Coimbra.

Gostei de saber que esteve com o Afonso, ao qual vou escrever.

Como ele lhe contou adoeci com uma ciática cruel e perversa que me reteve no leito 3 meses sem quase me poder mexer; um verdadeiro inferno!

Felizmente, estou a melhorar consideravelmente, mas ainda não posso andar na rua descansado, embora já não tenha dores. O meu médico mandou-me para a fisioterapia e fazem-me um tratamento intenso. As pernas, principalmente a esquerda, ainda estão muito fracas e não tenho aquele impulso natural para poder subir e descer escadas.

Uso uma bengala para me apoiar. O médico proibiu-me de me fazer transportar de automóvel ou carruagens de caminho de ferro; só posso transitar de eléctrico. Enfim, estou esperançado em que poderei recuperar uma boa parte da minha saúde, mas, certamente, não voltarei a ser aquilo que fui.

Apesar de tudo, continuo a tocar diariamente (muitas vezes na cama) e faço os meus progressos.

Aceite um apertado abraço do seu amigo muito agradecido,

Artur Paredes."

VI - Carta de Alice Paredes para Felisberto Passos, em nome do marido, Artur Paredes, impossibilitado de escrever:

"Lisboa, 11/7/971

Senhor Doutor Felisberto:

Desejo-lhe e a sua Ex.ma Esposa as maiores felicidades.

O Artur, por mais que tente. não consegue escrever-lhe a agradecer a sua tão amável carta e as lindas quadras nela incluídas! Algumas o Senhor Doutor já tinha tido a gentileza de lhe oferecer há cerca de dois anos.

Infelizmente o Artur tem um vista inutilizada por um catarata e a outra já está contaminada. Até ao dia oito do corrente ainda tinha a esperança numa operação. Mas o médico operador foi obrigado a desenganá-lo, porque, motivado por uma congestão ou coisa parecida - o Artur não ouviu bem o nome - qualquer coisa aconteceu no globo ocular que torna a operação perigosíssima. Mas o médico tudo fará para conservar-lhe a outra vista.

A sua bela carta foi muito grata ao coração do Artur e creia que também ao meu. A saudade de Coimbra, Coimbra-recordação, é muito maior quando a idade começa a avivar as imagens do passado.

Muitos cumprimentos nossos para sua Esposa e um abraço do Artur com um muito e muito obrigado para o Doutor Felisberto, de quem ele é um grande amigo.

Com amizade a admiração envia-lhe afectuosos cumprimentos

a sempre muito obrigada

Alice Paredes." 

Mário Torres

10 de Outubro de 2018