A tricana é pálida, morena, rosto oval, fartos cabelos luzidios, que o laço de sêda aprisiona, emmoldurando a cabeça e a face, um amplo chale negro sôbre os ombros, cruzadas as pontas no peito alto, que o «vicente», estreita fita preta, dádiva de amor, cinge com devoção; saia de pregas e roda, e, nos pés, as chinelinhas, tão pequenas que deixam quási fugir os pequeninos pés... Passam rapazes... Todos os de Coimbra são estudantes. A cidade é dêles. E êles vestem-se, como em nenhuma parte, para Coimbra. Sem chapéu, sem a boina de outrora. Negra roupa, uma sobrecasaca abotoada, a batina, uma capa aos ombros, que abriga da intempérie e esvoaça ao vento e à marcha, como estandarte que protege e pompeia seu garbo, de conquista e mocidade:
Minha capa vos acoite Que é p'ra vos agazalhar. Se por fora é côr da noite, Por dentro é côr do luar...
E rapazes e raparigas... lume e lenha, que lareiras, que incêndios não acenderão nas vélhas casas que sobem as encostas do Mondego, nos sítios recônditos de Coimbra, que reçumam amor e poesia! Mas lá vem a nota melancólica: são aves de arribação os estudantes, vêm e vão, e, um dia, vão e não vêm mais...
Agora são tudo amores À roda de mim no cais, E mal se apanham Doutores, Partem e não voltam mais.
PEIXOTO, Afrânio (1938) Viagens na minha terra Porto: Liv. Lello - pp. 68/69