A Tricana e o Estudante

Joao-Baeta.jpg

A tricana é pálida, morena, rosto oval, fartos cabelos luzidios, que o laço
de sêda aprisiona, emmoldurando a cabeça e a face, um amplo chale negro
sôbre os ombros, cruzadas as pontas no peito alto, que o «vicente», estreita
fita preta, dádiva de amor, cinge com devoção; saia de pregas e roda, e, nos
pés, as chinelinhas, tão pequenas que deixam quási fugir os pequeninos
pés...
Passam rapazes... Todos os de Coimbra são estudantes. A cidade é dêles. E
êles vestem-se, como em nenhuma parte, para Coimbra. Sem chapéu, sem a boina
de outrora. Negra roupa, uma sobrecasaca abotoada, a batina, uma capa aos
ombros, que abriga da intempérie e esvoaça ao vento e à marcha, como
estandarte que protege e pompeia seu garbo, de conquista e mocidade:

 Minha capa vos acoite 
Que é p'ra vos agazalhar. 
Se por fora é côr da noite, 
Por dentro é côr do luar...

 
E rapazes e raparigas... lume e lenha, que lareiras, que incêndios não
acenderão nas vélhas casas que sobem as encostas do Mondego, nos sítios
recônditos de Coimbra, que reçumam amor e poesia! 
Mas lá vem a nota melancólica: são aves de arribação os estudantes, vêm e
vão, e, um dia, vão e não vêm mais...

 
Agora são tudo amores 
À roda de mim no cais, 
E mal se apanham Doutores, 
Partem e não voltam mais.


PEIXOTO, Afrânio (1938) Viagens na minha terra
Porto: Liv. Lello - pp. 68/69