EMIGRAÇÃO FATO NOVO

MANUELA JONES38

 

Hoje decidi dar início ao primeiro capítulo das crónicas que vou escrever sobre a emigração.
Já muito se falou sobre isto, mas naturalmente que, não o poderei fazer num só texto, pois há muito que contar sobre este tema. As histórias de vida foram muitas e eu também vou fazer parte de um desses capítulos.

A história da emigração em Portugal é um capítulo de coragem, determinação e superação. Durante décadas, a falta de condições, pobreza, analfabetismo e a guerra nas colónias, levaram muitos portugueses a lançarem-se na difícil escolha do exílio, muitas vezes de forma clandestina. Diamantino era um dos "passadores" que conhecia bem os caminhos que permitiam unir Portugal a Espanha. Durante vinte e cinco anos, ele ajudou emigrantes que, "a salto", tentavam fugir para a França ou Alemanha, onde existiam promessas de melhores condições de vida.

O Estado Novo sempre condicionou a emigração, primeiro para evitar a saída de mão-de-obra e mais tarde para impedir a redução do número de soldados, necessários para a guerra nas colónias.

Com o fim do Estado Novo e da guerra, poderíamos pensar que a história da emigração em Portugal chegaria ao fim. No entanto, a história de Portugal também é a história daqueles que partiram e daqueles que continuam a partir. As razões podem ter mudado, as condições podem ter melhorado, mas a história continua.

Hoje, os portugueses ainda sentem necessidade em sair do país, mas em condições menos precárias. A emigração tornou-se uma escolha para muitos, uma oportunidade de procurar um futuro mais próspero e estável. Não mais movidos pela necessidade de fugir, mas pelo desejo de explorar novas oportunidades, de crescer pessoalmente e profissionalmente.

Enquanto vemos os nossos compatriotas partir, não podemos deixar de sentir uma mistura de emoções. Há uma tristeza enorme em ver talentos e potenciais futuros contributos deixarem o país, mas também um orgulho pela coragem e determinação daqueles que se aventuram além-fronteiras. A diáspora portuguesa espalha-se pelo mundo, levando consigo a nossa cultura, a nossa língua e a nossa identidade, deixando a sua marca onde quer que estejam.

A emigração em Portugal é um capítulo importante da nossa história, uma história de luta, sacrifício e resiliência. É uma história que nos lembra da importância de valorizar e apoiar aqueles que decidem partir, e de criar as condições necessárias para que todos os portugueses possam construir um futuro promissor em nosso país.
Que possamos continuar a escrever essa história com empatia e solidariedade, reconhecendo a contribuição dos emigrantes para a nossa sociedade e trabalhando juntos para criar um país onde todos possam prosperar. A emigração em Portugal é uma chamada de atenção constante de que, apesar dos desafios, a esperança e a determinação podem levar- nos além das fronteiras, em busca de um futuro melhor.

Hoje vou dar inicio à história do Sr. Manuel.
Um dos inúmeros "Maneis" que fugiram da fome e da miséria.
Nascido numa pequena aldeia perto de Penacova, Manuel era um homem robusto, cujos pulmões eram preenchidos pelo ar puro e revigorante da aldeia de Chelo. Enquanto isso, o rio Mondego fluía tranquilamente mais abaixo.

Chegou o momento em que Manuel decidiu casar-se e formar uma família. Casou-se e teve logo filhos. No entanto, a pobreza era avassaladora, e ele era o único sustento daquela casa onde as crianças pareciam nunca parar de nascer. Havia muita fertilidade naquela aldeia. Talvez fossem os ares. A esposa, uma verdadeira santa, suportava silenciosamente todas as dificuldades que a vida lhes impunha. O silêncio evitava as disputas e a violência da qual era vítima. Eram tempos em que parir e levar porrada era completamente normal na sociedade que se vivia naquela época.

Conseguir trabalho em Coimbra na Câmara Municipal, foi uma pequena vitória para Manuel, mas o trajeto diário de bicicleta entre Coimbra e Chelo, fosse com frio intenso ou no calor escaldante do Verão, era uma prova constante da dura realidade que enfrentava. A fome era uma constante, e os recursos eram escassos. A vida era uma batalha quotidiana.
E continuavam a nascer mais crianças.
Foi então, em 1967, que Manuel tomou uma decisão que mudaria sua vida e a da sua família. Movido por um desejo desesperado de lher proporcionar um futuro melhor, decidiu arriscar tudo e emigrar para França de forma ilegal. Era o partir a "salto". Para isso, teve de pagar uma quantia considerável ao passador Diamantino, sacrificando uma parte significativa de seu já escasso salário. Deixou para trás a esposa e sete filhos pequenos em Portugal, embarcando numa aventura solitária em direção ao desconhecido.

Aos 35 anos, Manuel rumou nessa viagem incerta, levando consigo apenas a coragem e a determinação de criar novas oportunidades para si e preparar um futuro para a família. O fato de ter concluído o exame da quarta classe aos 33 anos, foi uma conquista notável, pois o conhecimento básico da leitura e da escrita, abriu - lhe portas em França. Essas aptidões permitiram- lhe que tirasse a carta de condução e ampliasse suas oportunidades de encontrar um emprego melhor.
A vida tanto em Portugal quanto em França, foi uma luta constante para Manuel. Ele enfrentou dificuldades e desafios em ambos os países, mas sua resiliência e determinação nunca vacilaram. Ele trabalhou duro, enfrentou a solidão e as saudades da família, tudo em busca de uma vida melhor.

A história do Senhor Manuel é um poderoso testemunho do espírito humano e da capacidade de superar os obstáculos. A coragem e perseverança são inspiradoras, e mostram - nos as dificuldades enfrentadas por tantos emigrantes que deixam a sua terra natal em busca de uma vida mais digna.

Com a ajuda do seu cunhado António Caldeira, lá conseguiu arranjar um emprego e uma casinha humilde para viver. Decorridos quase dois anos, Manuel comprou em França um fato novo, gravata e voltou a Portugal. Desta vez o objetivo era vir buscar a família que tinha deixado para trás. Diz o seu filho que na altura, chegou à terra em pompa e circunstância, de fato e gravata e até já fumava cigarros e falava francês.
- Bonjour, ça vas ou ça vas pas?
-Comme si comme ça?
As pessoas da aldeia riam sem nada perceber. Os filhos e a esposa esperavam à porta de pés descalços e com roupas doadas e gastas pelo tempo. O Manuel também não sabia muita coisa, mas já tinha visto as paisagens do sul de França e trazia novidades para contar.
Os filhos aguardavam que na mesa houvesse algo mais que uma sopa, broa rija e silêncio, uma vez que se o barulho surgisse, havia a sobremesa e a fruta amassadas a murros ou bofetadas.

A voz do pai era sagrada e naquela casa ele era o senhor e mandador.
Na próxima semana contar-vos-ei o seguimento da história do Sr. Manuel na segunda parte desta crónica.
Bom fim de semana para todos.

Manuela Jones