Memórias da rua das Figueirinhas
Quem entra na rua das Figueirinhas pela Praça 8 de Maio encontra uma placa na parede, agarrada à barbearia Santa Cruz, que refere ser aquela, actualmente, a rua Martins de Carvalho, antiga rua das Figueirinhas. Confesso nunca ter dado por isso, e até ter referido, na dita barbearia, que sempre pensei que ela ia até às traseiras do Jardim da Manga. Vi esta situação ser partilhada por um avô ali presente, antigo funcionário público nesta cidade e aqui nascido e criado desde há 73 anos, que também estava convencido que a rua se continuava a chamar das Figueirinhas. Aguardava aquele avô, que fosse cortado o cabelo ao neto de nove anos, ao masculino. Efectivamente é assim que refere o anúncio. À frente deste emblemático estabelecimento está agora Carlos Costa, que acabaria por contar ter sido o seu antigo companheiro de ofício, o saudoso José Coelho, recentemente falecido, quem há quarenta e dois anos o mandou colocar. O objectivo era publicitar, sem margem para dúvidas, que ali o corte era à homem. No decurso deste enredo ele ia lembrando as estórias à volta daquele espaço, o que me permitia ouvir falar da rua das Figueirinhas, tal como as pessoas a conheceram. Isto, evidentemente, sem esquecer os registos e os documentos que dizem dos trabalhos de cariz arquitectónico e toponímico que ali decorreram ao longo dos tempos. Neste contexto, caberá aqui referir que o local onde está situada a barbearia Santa Cruz seria, até 1857, uma passagem que dava acesso ao interior da Judiaria Velha, provavelmente encerrada na sequência das obras que decorreram na então rua de Coruche, actual Visconde da Luz, possibilitando o seu alargamento. Num reavivar das memórias, pensei que quem viesse a ler estas intervenções deveria ter uma ideia prévia de como era, ao tempo, a rua das Figueirinhas, com um franco mercado ao ar livre, como mais do que uma vez ouvi referenciá-lo. Foi generalizado o testemunho do grande afluxo de gente diariamente por esta artéria, a partir da manhã, justificado com a proximidade do Mercado Municipal e seu abastecimento com produtos da terra, feito desde a estação dos comboios e das camionetas, via ruas da Moeda, da Louça e das Figueirinhas. Igual movimento de gente acontecia a caminho do hospital, que então se situava na Alta, e era um dos melhores acessos para quem vinha da Baixa. E cito aqui o testemunho de Carlos Nossa, um dos comerciantes ainda sobreviventes deste lugar, ao contar que, enquanto o Hospital esteve na Alta, e portanto perto dali, esta artéria era, indubitavelmente, a mais movimentada da cidade, pois por lá passavam largas centenas de pessoas por dia, para o que muito contribuía este mercado ao ar livre! Aqui se vendia muito e de tudo: chinelos, meias, pijamas, toalhas, almofadas, lenços, roupas interiores e tudo o mais que se levava a quem estava internado, incluindo fruta, bolos, pão e, no regresso para casa, hortaliças, galinhas, legumes, ovos, igualmente roupas, calçado, retrosarias, abanadores…, tudo! E isto para já não falar na ocasião das festas, com o aluguer dos vestidos de promessas, das velas e de outros adornos.
Porém, tudo isto se viria a alterar a partir de 1986, altura em que o Hospital foi transferido para onde se encontra hoje.
Assim foi sentenciada a rua das Figueirinhas!
António Castelo Branco