Avó, conta como era!

PASCOA 1

 

São muitas as pessoas que ainda hoje acorrem às suas terras de origem para nelas reviverem a Páscoa. A cada momento se fala que a tradição já não é o que era, mas ainda assim as reminiscências são grandes, sendo elas que muitas vezes impelem quem regressa. E isto perante as recordações que lhes ficaram dos momentos de convívio e das amizades que esta quadra sempre possibilitou. Reporto-me à Gândara, que eu melhor conheço nesta envolvência, para referir que, por esse tempo, logo que por aqui se começava a falar da Páscoa, um novo ânimo se sentia, pois em breve vinham os estudantes de férias e também muitas famílias que trabalhavam lá por Lisboa, pelo Porto e pelas demais terrinhas por aí fora, e sempre escolhiam este tempo para ali passarem as festas da Aleluia!


Por isso tomei este apontamento com o intuito de sensibilizar quantos voltam nesta quadra, e lembrar quão salutar e proveitoso se torna não desperdiçar nenhuma oportunidade para contactar com pessoas que ainda lá vivam, sobretudo com as mais idosas, e obter delas o testemunho de como era a Páscoa e a Quaresma no seu tempo. Este seria o ponto de partida para se gerarem empatias que levassem as pessoas a preservar as suas raízes. – Avó, conta como era! E virão os rituais, as rezas e as crenças, as mezinhas, as fábulas e os dizeres, os adágios, os prantos, as cantigas e as predestinações!... Mas ela também falará dos lobisomens, e do curar de augado, e do rezar o responso e do acercar da erisipela, e das faladas, e dos jantares dos casamentos à nossa moda. Digo isto por mim, pois sempre foi no período das férias da Páscoa que ouvi contar mais estórias, mais narrativas, e mais ocorrências. Outro tanto acontecia, por exemplo no Natal, enquanto ao borralho, debaixo da trempe, se faziam as papas e as filhós, e a tia Barreta assim falava dos pobres de espírito e dos desprotegidos da sorte: Era aquele que há muito tinha emigrado para o Brasil e por lá ficou no meio dos Índios, que se calhar até o comeram! Era o outro que andou na Guerra e, quando veio, contou como era nas trincheiras, acabando por entolecer! Era aquela pobre pecante, que só acreditava nas bruxas e só elas lhe valiam. Era aquela outra que trazia um Esprito maligno dentro dela e tiveram que lhe armar todas as entradas e saídas da casa com signos-saimão! . A partir daí, quantos outros relatos, outros testemunhos, outras estórias e outros episódios não se seguirão, que mereçam ser registados? Esta é uma ocasião que não devemos desmerecer, sem esquecer que, ao fazê-lo, estamos a contribuir para a salvaguarda da nossa memória cultural.

António Castelo Branco