A FAMÍLIA DE ANTERO DE QUENTAL
Foi a 10 de Maio de 1814 que viu a luz do dia, no solar do Bom Sucesso, existente num subúrbio próximo de Ponta Delgada, uma criança do sexo masculino, à qual veio a ser dado o nome de Fernando de Quental. A mansão fora edificada no lugar do Ramalho e era também conhecida como o “solar dos Quentais”, visto tratar-se de uma das casas dessa família abastada e com pergaminhos aristocráticos.
Fernando de Quental gozaria da condição e da prerrogativa do morgadio, uma vez que fora antecedido no curso dos nascimentos, apenas por uma irmã. O pai de Fernando de Quental, André da Ponte de Quental da Câmara e Sousa, por se ter filiado na Maçonaria e também por ter sido amigo do poeta Bocage, suportara as perseguições dos esbirros policiais de Pina Manique e cimentara uma tradição de personalidade afeiçoada ao liberalismo, desde que este se exprimisse segundo os termos de uma política moderada.
Fernando de Quental não iria desmerecer das convicções paternas. Tendo iniciado aos 17 anos uma carreira militar, integrou no ano seguinte a expedição que D. Pedro, futuro rei D. Pedro IV de Portugal, organizou nos Açores, rumando ao continente para dar combate ao absolutismo miguelista. Foi, assim, um dos 7500 “bravos do Mindelo”, sendo de presumir que tenha sofrido os rigores do cerco do Porto e o subsequente esforço de guerra. Com efeito, a concessão futura da medalha das “Campanhas da Liberdade” confere à presunção um fundamento sólido, uma vez que a distinção só era atribuída aos que tivessem servido em tais campanhas durante quatro anos. Abandonaria a seu pedido o serviço militar, em Fevereiro de 1835.
Não se sabe ao certo como se verificou o conhecimento entre Fernando de Quental e Dnª Ana Guilhermina da Maia, que viria a ser sua mulher. Pode-se talvez formular a hipótese de que se tivessem conhecido em Tomar, uma vez que, embora ela própria tivesse nascido em Setúbal, a sua distinta família era daí oriunda, e que existiam Quentais na cidade do Nabão. Uma visita ocasional de Fernando a Tomar, com o intuito de visitar a parentela, poderia ter proporcionado tal aproximação. O que amplamente se comprova, através de vários depoimentos convergentes, é o fervor do catolicismo da virtuosa e exemplar senhora.
Do casamento viriam a nascer sete filhos : o mais velho, André de Quental, padeceu de alienação mental grave, tendo sido por duas vezes internado no Hospital de Rilhafoles, em Lisboa ; uma criança do sexo masculino, à qual foi dado o nome de Antero, viveu pouco mais de dois meses ; nasceria seguidamente Maria Ermelinda ; viria depois ao mundo um outro Antero, nome no qual se insistiu, e que vingaria, para glória sua e nossa; surgiriam depois mais três irmãs , ou seja, Matilde, Ana Guilhermina e Amélia, embora esta última não tivesse atingido os três anos de idade.
O morgado Fernando de Quental iria ser recordado de portas adentro como um patriarca austero e disciplinador, muito dono da sua vontade. No entanto, fora dos umbrais domésticos, será celebrado pela originalidade um pouco extravagante do seu sentido de humor, pela sua contagiante alegria, pela graça dos seus inesperados ditos espirituosos e pelo significado voltairiano e iconoclasta de algumas das suas atitudes. Uma das mais inesperadas teria sido a de ter mandado picar um brasão de família de uma das suas casas, embora não tenham sido descobertas as provas materiais deste radicalismo, que no entanto lhe é imputado por testemunhos muito credíveis. Como as suas responsabilidades de administração doméstica não lhe absorvessem todo o tempo, Fernando de Quental aprimorou as suas artes de encadernador. Comprou os materiais e utensílios requeridos a tal mester e consagrou muitos dos seus vagares à encadernação – não raro luxuosa – dos livros que seleccionava na sua biblioteca e de alguns outros que caprichava em oferecer aos amigos mais chegados.
Um seu irmão mais novo, Filipe de Quental, excluído da titularidade dos bens familiares devido às leis do morgadio, fez-se à vida e abandonou a ilha de S. Miguel. Fixou-se em Coimbra, abrindo nesta cidade uma casa de estudantes, frequentada sobretudo por açorianos e alentejanos. Dando-se aos estudos, estudou Filosofia e doutorou-se em Medicina, em cuja Faculdade viria a exercer o professorado.
Amadeu Homem