SAUDADES
"Que me quereis, perpétuas saudades?
Com que esperança inda me enganais?
Que o tempo que se vai não torna mais,
E se torna, não tornam as idades.”
Luís Vaz de Camões.
Este poema de Luís de Camões entoa profundamente na alma de quem carrega a dor da saudade. Hoje, decidi mergulhar nesta palavra, tão genuinamente portuguesa, tão lusitana, que ecoa nas notas melancólicas do nosso fado e nas páginas da nossa rica poesia.
Para os estrangeiros, pode ser apenas a nostalgia, mas sabemos que a saudade é um sentimento muito mais profundo. Para senti-la, é preciso um coração transbordante de amor, um amor que se estende aos outros e, fundamentalmente, a nós próprios.
Na minha infância, cada despedida da mulher que me ajudou a crescer, mesmo que fosse para passar um mero fim de semana com a minha mãe, era uma ferida aberta. Eram momentos breves, mas deixavam um peso imenso no meu coração de criança, onde a saudade se instalava como uma sombra constante. Eu nunca gostei de despedidas.
Com o passar do tempo, parti. Levei saudades e deixei outras por onde passei. Aqueles que amei, e que partiram, deixaram marcas indeléveis. Compreendi que o que vivemos nunca se repetirá. A saudade, então, transformou-se em recordação, mas sempre carregando consigo um fardo emocional que não se apaga. O que realmente traz saudade ao meu peito é o amor, aquela paixão louca que me consumiu.
O amor que nos faz sonhar, que nos eleva e, ao mesmo tempo, nos dilacera. Às vezes, a vida torna-se tão desafiante que perdemos a capacidade de sentir saudades. Esse sentimento profundo pode-se perder nas desilusões que acumulamos ao longo do caminho. Durante muito tempo, deixei que a palavra saudade se esvaísse na névoa do quotidiano.
Contudo, o tempo, esse mestre implacável, trouxe-me de volta à essência da saudade. Imaginem, então, que após anos de desencontro, a saudade voltou a encontrar-me. Uma vez mais, senti aquele coração de criança, repleto de amor, mas dilacerado pela inevitabilidade da despedida, mesmo que esta seja curta no tempo.
Não são despedidas longas,com lenços brancos ao longe num acenar ao vento que nos levará, mas deviam existir abraços e beijos que nunca se transformassem em despedidas definitivas. Este sentimento deixa um rasto que nos preenche de amor e de um desejo profundo, onde se entrelaçam poesia, amor e fado, compondo uma melodia a que chamamos saudade. É o nosso jardim florido que revisitamos quando chega o inverno das nossas vidas. Este sentimento, esta essência portuguesa, é um testemunho da nossa capacidade de amar e recordar.
Ao falarmos de saudade, falamos de nós, das nossas memórias, da nossa identidade. Que a possamos sempre acolher nos nossos corações, pois é ela que nos liga ao passado, que nos faz sentir vivos e que nos ensina a amar, mesmo nas despedidas que nos dilaceram. Que permaneça como um eterno testemunho do que é amar verdadeiramente, mesmo que a vida nos leve por caminhos inesperados, e que cada amor, por mais efémero que seja, deixe a sua marca indelével nas páginas da nossa vida.
Agora tenho saudades do abraço do reencontro que virá brevemente.
M. Jones