ELEVADOR DA GLÓRIA E OUTRAS GLÓRIAS, ESTAS DE COIMBRA
Há muitos, muitos anos, um amigo estrangeiro que me visitou, fez este comentário no final da sua estadia no nosso adorado país: " - Amigo, gosto de ti como pessoa e cidadão deste mundo, mas vives num país medianamente engraçado e envolto numa espécie de neblina com tons de cor de rosa e ao abandono por negligência".
Nunca esquecerei esta descrição que na altura me pareceu demasiado estranha, mas ao longo do tempo fui-me apercebendo da realidade das suas palavras. Estas refletiam a essência dinâmica e cultural de um povo, do qual faço parte, mas que a cada dia que passa faz aumentar o meu desprezo.
Abro uma qualquer pagina social e o que vejo é o patético e não menos habitual “fight club” entre as duas claques nas suas previsíveis tentativas de aproveitamento de uma tragédia para ganhar pontos nas urnas de voto.
Sobre este acidente, que ficará para sempre registado nos anais da historia deste país e, especificamente, da cidade de Lisboa, fazem-se acusações sobre os culpados, sobre a quem deve pertencer a culpa. Será mesmo o atual presidente da câmara, o Dr Carlos Moedas?
Sim, o Moedas é culpado.
Culpado porque herdou de livre vontade uma situação disfuncional quando se candidatou à presidência da CML e ganhou. Tinha a obrigação de resolver o problema e não fez nada para a corrigir. Como bom ”tuga”, limitou-se a empurrar o problema com a barriga, fingindo que não era nada com ele. Teve azar. Explodiu-lhe na cara.
Isto não é ideológico. É cultural. É resultado da forma negligente e muitas vezes velhaca com que os responsáveis encaram os problemas da autarquia a todos os níveis. Cheias, pontes desabadas, incêndios, dados epidemiológicos, trabalhadores colhidos nas bermas da estrada, falta de meios para combater incêndios, património degradado, muitas nomeações de gente por lealdade política, mas com canudo e mesmo assim demasiado incompetentes para o cargo.
Isto é um vírus que corrói a cultura de um povo inteiro para lá de qualquer redenção. Um vírus que deixa sempre a culpa morrer sozinha. Há vítimas e nunca há culpados. Há corrupção e não há corruptores.
Até inventaram uma cena que ninguém entende o que é e a que chamaram “responsabilidade política”, uma forma airosa de dar a entender que os políticos nunca poderão ser responsabilizados civil ou criminalmente pelos seus atos. Sim, porque “responsabilidades” só existem ideologicamente e a sua chamada de atenção serve apenas para que o povo veja que alguém está atento ao que os outros fazem.
A verdade sobre o assunto diz que a tal “externalização” da manutenção do funicular remonta a 2011, ano em que António Costa era presidente da câmara de Lisboa.
Desde então, registaram-se inúmeras queixas quanto à qualidade técnica do serviço e ocorreram vários incidentes, o último, ao que sei, por descarrilamento em 2018, sob o reinado de Fernando Medina, que para sorte dele e dos visados, não causou vítimas e foi discretamente empurrado para o esquecimento mediático.
A CML nem se dignou a responder às inquirições que na altura os media fizeram para apurar o que tinha acontecido. Apesar dos repetidos avisos e das queixas, nenhum destes sucessivos responsáveis fez fosse o que fosse para corrigir a situação. A mesma acabou por explodir com as consequências trágicas que conhecemos.
É normal, é cultural e não vai deixar de acontecer, porque os comportamentos dos responsáveis não vão nem irão mudar. Porque o povo vai continuar a eleger incapazes que nunca serão responsabilizados por nada ou pensam que é por acaso que Portugal teima em conservar a desonra de ser o esfíncter anal da Europa, à qual nem sequer deveria pertencer. Ninguém na sociedade civil parece estar muito preocupado com isso enquanto houver futebol, festas e ordenados de mingua.
Tragicamente, o Elevador da Glória acabou por se tornar o retrato mais fiel da sociedade portuguesa como um todo. As suas vítimas foram vítimas de Portugal enquanto sociedade. Uma desonra.
Não vai deixar de acontecer, porque os comportamentos dos responsáveis não vão mudar. Porque vão continuar a ser nomeados incapazes apenas porque passaram pelas universidades e tem um curso superior e por isso, sentem-se mais chegados aos deuses que os comuns dos mortais.
Isto foi lá, pelos lados dos “mouros”, como se costuma dizer. E por cá? O que se passa no nosso burgo?
Estamos prestes a reeleger ou a eleger gente nova para o “poleiro” citadino. O que fará o eleito em relação a esta cidade? Que limpeza pode ser feita, seja urbanística, comercial ou a nível de transportes?
Se as pessoas pensam que o tão famigerado “Metro Coimbra” trará algo de novo ou bom para a cidade, enganem-se. Deixem passar largos meses e vão ver se tudo isto não foi um erro crasso de aproveitamentos de dinheiros públicos e quem paga? O Zé canalizador ou estucador ou carpinteiro de forma a nunca conseguir ter dinheiro para ir passar férias às Caraíbas e afins. Mas os Srº Drº já podem, pois com bons ordenados ou até pensões gloriosas, facilmente chegam lá.
É isto a cidade dos “Dr’s” e “Eng’s”...
E não, não me canso de escrever e até dizer isto. Vejo todos os dias situações que podiam ser resolvidas com eficácia, mas não se pode, porque não há verbas ou pessoal qualificado para o fazer e por isto, tem de se pedir a alguém externo para o fazer e dessa forma pagar a preço de ouro para ficar pronto.
Quem paga? Os mesmos de sempre para encurtar os seus prazeres e desejos. Os restantes, está tudo na boa...
No dia em que um transporte camarário se estampar e houver vitimas, a quem serão atribuídas as culpas? Ao presidente em execução de funções? Ao ultimo funcionário que fez a manutenção ao veiculo e que se calhar nem formação tem para isso a não ser saber apertar uns parafusos? Ao Eng seu chefe porque afinal este é que é o responsável pelo seu pessoal?
Depois de voltas e mais voltas, a culpa morrerá sem ser entregue a alguém e os familiares dos que faleceram ou os cidadãos que ficaram de alguma forma estropiados é que sofrerão. O dinheiro do seguro não amaciará a sua dor.
José Ligeiro