ARDINAS E COIMBRA

JO JONES30

 

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No novo amanhecer de 1 de janeiro de 1865, Portugal assistiu ao lançamento do Diário de Notícias, uma revolução no panorama informativo do país. Até então, os ecos da atualidade eram sussurrados em papéis vagabundos, vendidos por cegos papelistas que com destreza e resiliência enfrentavam as adversidades da vida. Esta prática não só servia para disseminar informações, mas também para combater a mendicidade e a vadiagem entre os jovens, graças à iniciativa desta Irmandade criada pelo Marquês de Pombal.

Os pequenos ardinas, com um brilho determinado nos olhos, lançavam-se às ruas, fazendo-se homens antes do tempo, carregando o peso da responsabilidade nas suas frágeis mas destemidas mãos. Eram eles que, ao gritar as novidades, se tornavam os porta-vozes de uma sociedade que começava a transformar-se, moldando o futuro de uma nação ávida por conhecimento e progresso. Esta nova era do jornalismo não apenas alterou a forma como os portugueses recebiam notícias, mas também deu voz a uma juventude que ansiava por se afirmar num mundo em constante mudança.

Em Coimbra também houve uma figura bastante conhecida que tinha esta profissão, entretanto já extinta. O Teixeira, Teixeirita ou, mais conhecido entre os estudantes: o “TAXEIRA”como carinhosamente lhes chamavam. O nosso Ponney já lhe prestou a devida homenagem, mas eu volto aqui a referi-lo por ser o ardina mais conhecido da nossa cidade. Este homem de espírito simples e sorriso contagiante, recordamos não só a sua figura um pouco distorcida, como também um misto de homem e criança. Também as expressões e os pregões que o tornaram tão especial nas ruas de Coimbra com a sua voz roufenha. Na altura a nossa linda cidade cheia de gente e com menos buracos se assim se podem considerar. Eu chama- lhe- ia crateras gigantes. Sem falar do cheiro nauseabundo que se faz sentir ultimamente.

- Ó tor, não me dás um cigarro mas vais chumbar.

- Ai vais, vais!

Ele era muito mais do que um ardina, era uma lenda urbana, um símbolo da cidade, cuja singularidade se impunha numa sociedade que, muitas vezes o olhava com indiferença.

O tal futrica.

Os estudantes de Coimbra, com o seu espírito jovial e brincalhão, faziam questão de incluí-lo nas festas académicas, pois sabiam que o "Taxeira" era o coração pulsante dessas comemorações. Também na sua inocência ao mudar os pregões que entretanto lhe ensinaram os estudantes, foi preso pela PIDE. Ás vezes as brincadeiras podem trazer graves consequências.

Depois da PIDE se aperceber com quem estava a lidar, rapidamente o devolveram à liberdade.

Ele trazia consigo uma alegria contagiante e um jeito peculiar de interagir:

- "Ó tor, dê-me um cigarro?"

- Não fumo pá!

-Ó tor então paga-me uma sandes e um fino.

E quem poderia resistir em lhe oferecer uma sandes ou um fino, numa das suas bem-humoradas trocas?

Numa dessas noites memoráveis de festas académicas, levaram-no ao casino da Figueira da Foz, onde, em tom de brincadeira o fizeram passar por um importante conde. Vestido de fraque, com um anel de brasão nos dedos grossos e deformados pelo frio e pelos maus tratos da vida, o Taxeira lá encantou toda a gente até abrir a boca e na sua inocência oferecer um pirolito a uma distinta senhora da alta sociedade.

O feitiço acabara ali. O sonho inventado por estudantes brincalhões e amigos das praxes académicas. Foi a magia de uma noite. Foi o conde dos ardinas de Coimbra. Ele apregoava jornais e agarrava os toiros pelos cornos nas garraiadas da Figueira da Foz.
Tinha força, o Taxeirita. Mostrava que, apesar das circunstâncias da vida, era possível viver com dignidade e alegria, fazendo da sua história um exemplo de resistência e sabedoria.

As suas expressões, as suas falas, e o seu jeito único de estar no mundo ficarão para sempre guardados nas memórias de Coimbra. São essas lembranças que celebram a autenticidade da vida, inspirando-nos a abraçar as nossas fragilidades e a celebrarmos as alegrias que encontramos no nosso caminho, mesmo que sejam diferentes.

Hoje, em Coimbra já não há pregões.

Os sacos de pano cru, outrora cheios de promessas e esperanças, agora residem apenas nas nossas memórias, testemunhas silenciosas de uma era em que as vozes dos ardinas enchiam as ruas com vida e novidade. Esta homenagem é um tributo aos miúdos que, ao crescerem e se tornarem homens, imprimiram um propósito nas ruas que agora parecem quase desertas de esperança.

É igualmente uma reverência ao espírito indomável do nosso diretor, José Gomes, cuja dedicação e paixão pelo jornal O Ponney garantiram que a chama da imprensa local e o espírito comunitário não se apagassem. Ele não deixou morrer o jornal, tal como não devemos deixar morrer as memórias e lições dos tempos passados, pois são elas que iluminam o caminho para um futuro onde esperanças renovadas podem emergir e prosperar.

Olhó Ponney!
Olhó Ponney!

Manuela Jones