REGRESSO À ESCOLA NÃO É O MESMO QUE REGRESSO ÀS AULAS
Setembro é o mês de regresso à escola, mas talvez não seja um regresso às aulas segundo o novo Balanço Anual da Educação 2025, elaborado pelo think tank EDULOG da Fundação Belmiro de Azevedo, refere que há avanços na massificação e cobertura do ensino, mas denuncia desafios persistentes: envelhecimento da classe docente, desigualdades regionais, fraco investimento público e peso excessivo das despesas para as famílias.
Diz o relatório que em 2023, apenas 55% das crianças com menos de três anos dispunham de vaga em creche, e 48% estavam efetivamente matriculadas. A cobertura é particularmente insuficiente em zonas de forte procura, como as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, o sudoeste alentejano e o Algarve. Esta escassez obriga muitas famílias a recorrerem a redes privadas ou a adiar o regresso ao trabalho, com impactos socioeconómicos relevantes.
No pré-escolar, o país aproxima-se da cobertura universal, com uma taxa de frequência média de 94%. Contudo, continuam a registar-se assimetrias significativas: no Centro, atinge-se quase a universalidade (99,9%), enquanto na Península de Setúbal o valor desce para 83,1%. A oferta pública é insuficiente em diversas regiões, sendo frequentemente compensada pela presença de instituições privadas.
No ensino superior, a massificação continua a avançar. Entre 2019 e 2023, o número total de estudantes aumentou 11,5%, para 448 mil, com um reforço significativo da presença feminina, que representa hoje 54% dos alunos. No conjunto dos novos inscritos, 63% optaram por licenciaturas e 27% por cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP), demonstrando a diversificação da oferta formativa.
Contudo, o financiamento público da educação continua aquém das necessidades. Nos últimos cinco anos, o investimento do Estado cresceu apenas 6,6% em termos reais. A despesa com o pré-escolar e ensino básico subiu 16,6%, enquanto o ensino superior registou um aumento de 12,9%. Apesar deste esforço, as famílias continuam a suportar uma parte substancial dos custos educativos: 33% no pré-escolar (face a uma média de 12,5% na OCDE) e 26,7% no ensino superior (contra 19,2% na OCDE). Este cenário, segundo a Fundação, agrava as desigualdades no acesso à educação e compromete a equidade do sistema.
O relatório chama particular atenção para o envelhecimento acentuado da classe docente. No ano letivo 2022/2023, 60% dos professores do 2.º e 3.º ciclos e do ensino secundário tinham 50 anos ou mais; no pré-escolar, a percentagem era de 56,1% e no 1.º ciclo, de 44,5%. Esta realidade coloca em risco a renovação geracional e poderá conduzir a uma escassez de professores num futuro próximo, alerta o EDULOG. Acresce que uma fatia relevante do corpo docente permanece em situação precária: 18% dos professores do 1.º ciclo e 24% do 3.º ciclo e ensino secundário tinham contratos a termo em 2022/2023.
O relatório sublinha ainda que o rácio de alunos por professor diminui progressivamente com o avanço no percurso escolar. Em média, existiam 15,6 crianças por educador no pré-escolar, 12,8 alunos por professor no 1.º ciclo, 9,3 no 2.º ciclo e 8,1 no 3.º ciclo e ensino secundário.
Quanto à transição para o mercado de trabalho, os dados revelam que as qualificações continuam a garantir uma vantagem competitiva. Após a pandemia, a taxa de desemprego dos diplomados do ensino superior situou-se abaixo dos níveis pré-COVID, abaixo dos 6%. Destacaram-se os mestres, com uma taxa de desemprego de apenas 4,7%. Por contraste, os diplomados com CTeSP registaram taxas superiores a 10%, e aqueles que apenas concluíram o 3.º ciclo do ensino básico continuavam com níveis de desemprego superiores aos anteriores à pandemia.
Em termos salariais, os prémios associados ao nível de qualificação permanecem elevados: mestres ganham, em média, mais 80% do que os diplomados do ensino secundário; os licenciados auferem salários cerca de 45% superiores. Contudo, o relatório denuncia uma persistente desigualdade de género nos rendimentos, com os prémios salariais a serem significativamente mais elevados para os homens.
Miguel Mota Freitas, administrador da Fundação Belmiro de Azevedo, destacou que o objetivo deste balanço é «contribuir para um debate atualizado e informado, com um impacto real no setor». O estudo pretende identificar «os principais sucessos e constrangimentos do sistema educativo» e gerar uma base para a definição de prioridades políticas. «Queremos abordar ângulos inovadores de análise do sistema e identificar grandes conclusões transversais sobre os desafios atuais», acrescentou.
Compensa Ser Professor em Portugal?
De 2009 a 2023 o salário líquido real dos professores diminuiu 21.1% para o 1º escalão e 23.4% para o 9º escalão, como se vê na Figura 1. Esta descida não se deveu só aos anos da Troika. Durante o período 2015-2023, que compreende os Governos de António Costa, o salário líquido real dos professores desceu 5.8% para o 1º escalão e 1.6% para o 9º escalão.
Além da descida dos salários, nos últimos 15 anos houve também uma compressão dos salários dos professores com o salário mínimo. Enquanto em 2006 um professor em início de carreira recebia um salário 174% acima do salário mínimo, hoje em dia ganha apenas 61.8% mais. A compressão não só retira prestígio à carreira docente, como também diminui o valor relativo do diploma de um mestrado de ensino. Ou seja, o retorno que um estudante obtém do mestrado é menor comparativamente a outras opções.
Tanto a descida dos salários por escalão quanto a aproximação destes ao salário mínimo contribuem para a descida da atratividade da carreira docente. Por sua vez, a baixa atratividade reflete-se no baixo número de professores formados nos últimos anos.
AF
19-09-2025