ZÉ MANEL DOS OSSOS
José Manuel Ribeiro Franco era o nome de meu pai.
Era, não, é! Enquanto as pessoas estiverem vivas nas nossas memórias continuam entre nós.
Para muita gente será o eterno Zé Manel dos Ossos, figura incontornável da arte de bem petiscar, em Coimbra.
O meu pai nasceu em 1932, em Santo Amaro de Oeiras.
Filho de um galego e de uma penelense, cedo veio para o Pastor, onde viveu até completar a 4.ª classe, o que aconteceu em 1942, na escola primária do Infesto (Penela).
Muitas vezes me disse que, no dia em que fez o exame, calçou, pela primeira vez, um par de sapatos.
Feito o exame, zarpou para Coimbra a fim de trabalhar numa loja de familiares, onde se manteve até ingressar no Serviço Militar.
Após o seu cumprimento, resolveu estabelecer-se em sociedade com o Zé Neto, que se viria, mais tarde, a tornar exímio na arte das petingas e dos jaquinzinhos fritos acompanhados por uma açorda de estalo.
Em Janeiro de 1961, depois de ter casado a 31 de Julho do ano anterior, resolveu lançar-se a solo, tendo arrendado uma casa de vinhos e de pasto, a que poria o nome de Zé Manel.
As dificuldades eram muitas e, quando nasci, a 26 de Maio desse ano, nas águas furtadas do estabelecimento, estava o meu pai, no rés-do-chão, a pedir 500$00 (2,49 €, em conversão direta) emprestados para reformar uma letra bancária, como muitas vezes me lembrava.
Um dia, resolveu cozer uns ossos de porco para acompanhar o vinho que servia, dando origem ao famoso petisco, copiado entretanto por outras casas de Coimbra, que ainda hoje completa o nome da casa e se colou ao do meu pai como se fosse um cognome: Zé Manel dos Ossos.
Trabalhou até aos 65 anos, dando nome a uma casa que aparece nos principais roteiros mundiais sempre que se fala de Coimbra e passou em inúmeros canais televisivos um pouco por todo o mundo.
Muitas gerações de estudantes de Coimbra por ali passaram mantendo uma relação de amizade com o meu pai que perdurou no tempo. Também atores e cantores um pouco de todo o mundo por lá beberam e comeram.
Apesar de há já 26 anos não estar no restaurante, o seu nome permanece como marca da casa continuando a dar-lhe nome e os Ossos de Suã, as Barriguinhas. os Cogumelos Aporcalhados, o Bacalhau Doidinho, a Bidonga e muitos outros petiscos continuam a marcar gerações e gerações de clientes.
Em 2017, quatro dias depois de ainda ter cozinhado um enorme tacho de feijão com dobrada (tripas), rendeu-se ao cansaço que o consumia após inúmeros anos a tratar da minha mãe que sofria de Alzheimer. Nunca, em sua vida, deixou que alguém tratasse dela por ele.
Há pessoas assim e o meu pai foi uma delas.
Amante do bom petisco, amigo verdadeiro, solidário como poucos, deixou-nos a sua memória e petiscos em testamento.
Obrigado por tudo.
António Franco