A MOÇA E A VELHA

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«– Você, oh tia Maria,
Está velha como um caco,
nem pode sair de dia
Mais feia do que um macaco!
Já não faz meia, nem fia!
Toda vestida de trapos,
Quase cega, manca e surda,
Ninguém lhe inveja a existência,
Causa nojo aos próprios sapos,
E já não vive, chafurda
Nas vasas da decadência,
Como diz o nosso abade.»

Disse-lhe a velha, serena:
«– Já fui isso que tu és,
E na minha mocidade
Dançava, e até com graça;
Chamou-me um vate açucena,
E vi muitos a meus pés
Cá na aldeia, e na cidade,
Mas na vida tudo passa.»

«Sim, pareço-te uma bruxa,
E não sei que mais, um grou;
A minha perna estrebucha,
E provoco a hilaridade,
Mas, ouve isto que te digo:
Talvez, para teu castigo,
Não chegues à minha idade,
Nem a ser isto que sou!»

João Penha

Últimas Rimas, Renascença Portuguesa, 1919

João Penha de Oliveira Fortuna (1838-1919) nasceu e faleceu na cidade de Braga. Matriculou-se na Universidade de Coimbra em Teologia, passando depois para o curso de Direito onde se formou em 1873. Juntou-se desde logo ao grupo dos estudantes boémios, tornando-se amigo de Gonçalves Crespo, Cândido de Figueiredo, Antero de QuentalGuerra Junqueiro, entre outros. Fundou A Folha, um jornal literário de tendências parnasianas (publicado entre 1868 e1873) onde os amigos colaboravam. Regressado a Braga, exerceu a advocacia e ocupou o cargo de Juiz Ordinário do Julgado da Sé. Dirigiu entretanto a revista literária República das Letras, de que saíram três números. Morreu pobre, surdo e esquecido. A sua poesia comunga das concepções parnasianas, tendo muito contribuído para o rejuvenescimento do soneto em Portugal. Obras poéticas: Rimas (Lisboa, 1882), Viagem por Terra ao País dos Sonhos (Porto, 1898), Novas Rimas (Coimbra, 1905), Ecos do Passado (Porto, 1914), Últimas Rimas (Porto, 1919), Canto do Cisne (Lisboa, 1923). Prosa: Por Montes e Vales (Lisboa, 1899).

(Texto e imagem: retirado da net)