O Sorriso das Pétalas Amarelas – O primeiro amor

 

Não custa encontrar aqueles que insistem em desafiar a normalidade da governação, a rectidão dos actos, a honradez dos contratos, a magia do imaginário do povo em sentir-se amparado por ter depositado confiança e boa-fé em quem votou. Basta passar uns minutinhos nas galerias do palácio do bento santo, de forma anónima, bem assentado para não se cair para o lado, e assistir aos debates que se debatem sem se debater. Gritos. Risos. Gargalhadas. Frases feitas e repetidas vezes sem conta. Ausências. Até jornalistas que não são deputados por ali se acomodam, sem que toque qualquer alarme, com excepção do olhar desconfiado de quem tem visão apurada.

 

Ela trabalhava por lá, eleita de acordo com as promessas que as cores que representava prometeram. Mas íntegra, sem nunca recorrer a suplementos remuneratórios de bradar aos céus, apesar de a sua residência oficial ser nos confins da terra, numa terra nova. Morava ali por perto, conjuntamente com o marido e com a filha - os seus tesouros inestimáveis.

 

Hoje, de férias numa praia paradisíaca, recordou aquela fase difícil, em que teve de meditar demoradamente se seguiria o aconselhamento de voto da direcção do seu partido querido e revolucionário.

 

A sua perspicácia não considerava a matéria pacífica! Por vezes chegou a comentar com o marido que não estaria certa de ser boa ideia aprovar a adopção de crianças por parte de casais homossexuais.


Que diabo: a lei da natureza é como é, ninguém pode sonegar a uma criança o direito de ter um pai e uma mãe, de sexos distintos como a própria natureza assim o determinou. Sempre foi assim, a sua consciência instigava-a a considerar que assim deveria continuar a ser.
Por outro lado, pensava que sempre poderia aparecer de mansinho um dos novos riscos psicossociais que importunam os miúdos, como o bullying, por exemplo. Onde já se viu? Um menino ou uma menina, com pais do mesmo sexo? Com certeza, na escola, haveria chacota por parte dos colegas sempre que a discussão viesse a propósito e decerto que, face à susceptibilidade a que a questão se predispunha, a troça talvez se prolongasse por um dia inteiro, talvez por todos os dias do ano lectivo. E, porventura, talvez por todos os restantes dias do ano!


É certo que os tempos mudaram! Os deputados já iam para o parlamento de calções, de bebé ao colo, fumavam-se uns charros na zona destinada aos fumadores, os homens, tal como as mulheres, depois de algum tipo de dissertação a propósito de uma questão de interesse nacional, cumprimentavam-se com um beijo na boca seguido de um “Yá, tiveste bué da fixe, um discurso nice… Five stars! Estamos juntos, yá?!”


Depois de algumas insónias e de algumas esgrimas com as suas hesitações, temendo que a considerassem retrógrada, na altura decidiu votar a favor. De acordo com o aconselhamento do “Bureau Político”. 


Sem saber porquê, num momento introspectivo, agradeceu e endossou graças a Deus por ter uma família “normal”!

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Na manhã do dia seguinte levantou-se mais cedo, preparou um pequeno-almoço especial para si, para o seu marido e para a sua filha Suzy, que era linda e inteligente e tinha todo um futuro pela frente, que se augurava feliz e promissor. Depois, despediu-se do marido, levou a filha para a escola e seguiu à sua vida de deputada, lá no parlamento.

 

Já no parlamento fez o seu trabalho, e chegada a hora do escrutínio votou de acordo com as directrizes que lhe teriam sido aconselhadas. A proposta fora aprovada por maioria. 


No final desse dia, exausta e de regresso ao lar, foi buscar a filha à escola. Foram juntas ao hipermercado para comprar qualquer coisa pré-confeccionada para o jantar, sempre ajudaria a não despender demasiado tempo com a janta, ainda haveria trabalho por concluir.


A filha parecia-lhe impaciente, mas ela não deu importância.


Já em casa, pôs a mesa, lavou uma máquina de roupa suja da muita que se acumulava durante a semana, fez as camas, arrumou o que a escassez de tempo e o cansaço permitiram, e colocou a comida no micro-ondas, minutos antes da hora habitual de o marido chegar do seu trabalho de gestor de fundos de investimentos imobiliários, muito bem remunerado, até porque mantinha um caso secreto com a directora da sua secção de meninos muito bem remunerados e mimados. 
O homem chegou à hora certa, todos se saudaram aparentemente alegres, começaram a comer passados uns instantes. E teceram um ou outro comentário de circunstância.

- O que se passa, filha? Pareces-me nervosa – arriscou a mãe.

- Apaixonei-me!... – confidenciou a miúda sem tirar os olhos do prato quase cheio de uma sopa saudável que não era do seu agrado.

Os pais entreolharam-se e esboçaram um sorriso maroto.

- Pelo teu grande amigo Filipe?! É um miúdo giro! –voltou a arriscar a mãe.

- Não – respondeu Suzy embaraçada. – Pela Vanessa! ... »

                                                                                                                                                                                                                                                                           Luís Gil Torga

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