NAS TEIAS DA LEI

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(Em tempo de reclusão vou me lembrando de coisas esquecidas )

A lei deve ser breve para que os indoutos possam compreendê-la facilmente."

Séneca

A propósito desta citação de Séneca, conto uma situação, infelizmente tão corrente desde sempre nas relações entre o cidadão e alguns agentes do Estado.

O Francisco Viegas, dono de uma pequena mercearia de bairro, foi visitado pela Inspecção das Actividades Económicas que, depois de breve vistoria, lhe apreendeu diversa mercadoria. Não porque estivesse em mau estado sanitário, mas porque, no estabelecimento, ele não tinha as guias de remessa justificativas da sua compra.

- Mandei-as para o guarda-livros, Sr. Inspector

- Pois é, já sabemos de cor e salteado essa conversa.

- Mas podem lá ir que ele mostra-as! O escritório dele é aqui perto…

- O que a lei diz é que tem que as ter aqui para mostrar à Fiscalização sempre que forem pedidas!

O Francisco Viegas coçava a cabeça, insistia que fossem lá ao escritório do contabilista, mas o Inspector mostrava-se irredutível.

- E agora?

- Agora vamos ter que lhe levantar um auto e lançar uma coima. Para além da mercadoria que temos que apreender.

E o Inspector, zeloso servidor do Estado, rapou dos códigos, folheou-os e exibiu-lhe as disposições legais ao abrigo das quais o iria autuar:

“ Nos termos do artº 16º alinea b), do DL 1271/86 de 20 de Novembro, que rectifica a alinea c) do artº 12ª do DL 12/78, que revogou o DR 49234 de 17 de Janeiro de 1968, o agente comercial que não fizer prova instantânea, sempre que lhe for exigida, da origem e facturação dos produtos que comercializa no seu estabelecimento, será punido com coima definida na alinea d) do artº 433º do Regulamento das Contra-Ordenações publicado em 13 de Fevereiro de 1987, sendo-lhe apreendida a mercadoria de que não justifique a proveniência”.

E a alinea c) do mesmo artº 16º do citado diploma legal, foi ainda mencionada pelo Agente:

“Se se provar ter existido dolo, o agente comercial incorre também em procedimento criminal, na parte adequada das disposições do Código Penal, por presuntivamente ter receptado mercadoria furtada.”

- Quer dizer que, além da multa e de me levarem a mercadoria, ainda posso ser preso?!! Oh Sr Inspector, não me desgrace a vida, que eu não percebo nada dessas leis que me está a mostrar.

- A ignorância da lei não aproveita. Você é que sabe homem! Faça contas à sua vida. Eu estou aberto a uma solução para o seu problema. Você, com metade da coima ou até menos, se pagar agora, pode ficar com a mercadoria e livrar-se de chatices…

- E o auto? Vai levantar o auto?

- Qual auto? Já me viu escrever alguma coisa, homem?

Imagem retirada da net

Rui Felicio