Estereótipos do envelhecimento.

CRÓNICA:

ICA:Antonio-Vilhena.png

Estamos todos mais velhos, mas alguns parecem ainda mais velhos. As próprias famílias enfatizam esse condicionamento cultural usando uma linguagem que acrescenta preconceito e exclusão – por ignorância e razões culturais. É habitual ouvir comentários: “Já passaste da idade”, “não vais para novo”, “estás mais para lá do que para cá”, “olha para o que lhe deu nessa idade”, “parece que tem dezoito anos”, “o avô fica no sofá”, “a avó velhinha”, “pareces um velho”…É fácil encontrar expressões que discriminam pela idade. O “idadismo” é isso, uma forma de discriminar as pessoas pelos anos. Todos os dias a população na Europa fica mais velha, a média de vida aumenta e os nascimentos são menores. Entre 1950 a 2000 o envelhecimento demográfico em Portugal aumentou 150% acima dos 65 anos. Esta tendência continua neste século. Segundo fontes do Conselho da Europa “a população portuguesa terá menos um milhão de pessoas em 2050 e estará ainda mais envelhecida”. A realidade é esta, não adianta meter a cabeça na areia, fingir que nada está a acontecer. Em 2050, por cada jovem de 15 anos haverá 2,5 idosos com mais de 65 anos, em Portugal. Esta não é uma conversa para velhos; é uma reflexão que exige uma resposta de toda a sociedade, uma estratégia do poder político sobre a aritmética da demografia que é implacável. Não se pode parar o tempo por decreto.

Se temos uma população envelhecida é preciso mudar a cartilha do liberalismo e repensar os axiomas onde “os mais idosos contam”, desconstruindo os estereótipos que acompanham o envelhecimento. Segundo Hazan H. (1994), a sociedade é a caixa-de-ressonância de um conjunto de estereótipos que modelam o pensamento e o comportamento em função da ideia do envelhecimento. É comum o pensar-se que na velhice não há curiosidade intelectual, nem interesse em aprender; que o desejo sexual acabou ou que o espaço para a emoção ficou no passado. Ao longo dos tempos cresceu a ideia de que a partir de certa idade – essa foi variando com a longevidade -, não se ama, não se fazem projectos para o futuro, não se estuda depois da passagem à reforma. A realidade superou os mentores da ideia de “aos trinta anos já se é velho para arranjar emprego”. As sociedades estão cheias de pessoas competentes que não têm ocupação, mas que continuam activas física e intelectualmente. O estereótipo que o neoliberalismo cultivou, de “novo para sempre”, dorme agora à porta desses gurus. Estima-se que na Europa a maioria da população, na metade deste século, será maioritariamente idosa. Talvez o mercado esteja a repensar as suas estratégias e campanhas de marketing. Durante anos focaram-se na adolescência e na infância. Tudo estava pensado para promover o que tinha “futuro” e que podia alimentar a máquina de consumo com hábitos de longa duração. Todos conhecem o estereótipo: “roupa de tia”. O paradigma está a mudar e pela força de uma verdade cruel que se impõe através do tempo. O conceito mudou. Agora passa-se à reforma na meia-idade, mas há muita vida para além disso. A idade da reforma já não é uma fronteira para início da velhice, pelo contrário. Há mesmo quem escolha reformar-se antes dos 50 anos para mudar de actividade e reorientar a sua vida para outras áreas que alimentaram os sonhos da juventude. O meu filho perguntou-me qual a idade de reforma de um escritor. Depois de pensar um pouco, encontrei uma possível resposta que contraria a práxis. Respondi-lhe que um escritor reforma-se no dia a seguir à sua morte - momentos antes do último suspiro  ele estará, certamente, a escrever o seu epitáfio.

Nesta questão do envelhecimento há um longo caminho a percorrer, mas é preciso distinguir o que é preconceito de discriminação. O preconceito alimenta-se dos estereótipos e da ignorância; a discriminação assume-se com hostilidade muitas vezes com intenção de excluir pela idade. O mais grave é que o preconceito acaba por ser interiorizado ao longo de gerações pelas famílias sem maldade e muita generosidade. “Os mais idosos contam”.

António Vilhena