COCKTAIL

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Quadro de Toulouse-Lautrec

 

Passadas dezenas de anos, voltou naquele fim de tarde ao Bar Procópio às Amoreiras.

No ano anterior ao 25 de Abril tinha sido frequentador habitual. Desde então, a vida tinha-o levado para outros locais da cidade.

Em noites de amena cavaqueira e utópicos planos conspirativos, em frente a um cocktail de advocaat e peppermint, numa colorida miscelânea de dourado e verde, sob a tépida luz esmaecida do candeeiro da mesa, coada pelo abat-jour com desenhos de Lautrec, tinha ali travado conhecimento com figuras que viriam, umas, como ele, a permanecerem anónimas, outras a destacarem-se, anos mais tarde, na política, nas artes, na literatura.

Ali estava agora, no cocktail de lançamento do livro “Colectânea de retalhos beirões”, da autoria de um seu amigo de Coimbra, há anos a viver na Beira Baixa, escritor de traço neo-realista, temperado por uma profunda sensibilidade humana.

Com um copo de whisky na mão, petiscando um bolo de bacalhau, depois uma chamuça, ia cumprimentando com um sorriso ou uma frase de circunstância, quem se lhe dirigia ou o abordava, perguntando-lhe se estava tudo bem, por onde tinha andado, que nunca mais fora visto.

Na obscuridade do Bar, um olhar fugaz, inesperado, semelhante a um raio laser trespassando a nebulosidade do ambiente, fixou-se nos seus olhos por breves instantes.

A dona do olhar era uma bela mulher madura, elegante, bonita, que a sua memória lhe garantia ser ela, a Zulmira. Seria mesmo?

Tinham namorado há muitos anos, numa época em que fazer amor só devia acontecer depois do casamento, ou, quando muito, se o noivado já estivesse comprometido. Fora disso, tudo se resumia a uns abraços, uns beijos, mais ou menos profundos, levados aos limites do convencionalismo, sem os ultrapassar.

O namoro tinha-se desfeito já não sabia porquê.

Aproximaram-se. Sentiu a mão dela agarrar a sua, abraçando-o, e assim ficar longos minutos.

Olhou em redor, receoso que algum dos jornalistas presentes o fotografasse numa situação de intimidade comprometedora.

Ele sabia que se tal viesse a público, a sua mulher não iria tolerar que continuassem a viver juntos.

Era certo que a perderia a ela e, ainda pior, perderia o seu cão Buba por quem nutria uma grande amizade. Seria impensável viver sem aquele afável cachorro!

Interrompeu estes pensamentos quando a Zulmira o arrastou para fora do Procópio, o fez entrar no carro e o levou para o seu apartamento do Principe Real, dizendo-lhe que, desta vez não iria perder de novo a oportunidade, como aconteceu há tantos anos atrás, de fazer amor com ele.

Desta vez ela ia entregar-se-lhe, dar-lhe todo o seu calor, até à completa saciedade de ambos.

Quando acordou ao amanhecer, transpirado, ofegante, cansado, achou-se o homem mais feliz do mundo, no momento em que sentiu a mão a ser lambida pelo seu cão Buba que abanava o rabo ao lado da cama.

Não iria perdê-lo! Tudo não passara de um sonho…

                                                                                                                                                                                                                                                  Rui Felicio