ABRIL ESCALDANTE

 

Antes do 25 de Abril de 1974, os senhores capitães andavam por Óbidos, Évora Monte, Lisboa, a discutir o Decreto-lei de Marcelo Caetano, que obrigava os Oficiais Milicianos, no final de seis meses em Mafra, no CPC (Curso Preparatório de Capitães), a comandar companhias no Ultramar, enquanto os senhores da Academia Militar passavam anos sem atingir tão honrosa hierarquia militar. O triunfo do 25 de Abril de 1974 não se pode dissociar historicamente deste descontentamento militar, aliado ao descontentamento popular.

Com o 25 de Abril, as prisões encheram-se de fascistas (qualquer delito comum era mão do fascismo), mas também de muitos MRPPS (anti cunhalistas), que sem mandato do respetivo Juiz iam passar uns tempos ao cárcere. Em Pinheiro da Cruz, andei com um familiar mais de uma hora para descobrir um amigo recluso do MRPP. Era 8 ou 80, quem não era cunhalista era fascista, não havia meio-termo. Muitos militares da Maioria Silenciosa foram para as Casas de Reclusão de Tomar e Santarém. Em Castelo Branco também tive um “hóspede”, que me deu muitos problemas pelas ilegalidades cometidas. Quem mandava era a Junta de Salvação Nacional, cujo elenco era composto por militares superiores. A Revolução não foi apenas um mar de cravos e a Intolerância, mudando a cor, também floria. Por exemplo, um Director do “Diário de Notícias”, mais tarde Prémio Nobel da Literatura, varreu vários jornalistas porque cometeram “delito de opinião”. Acabada a Guerra Colonial, com a “exemplar descolonização”, os “retornados” foram apelidados de colonizadores e exploradores, quando na esmagadora maioria eram cidadãos honestos, e muitos se viram sem nada e ainda hoje são vilipendiados como se fossem culpados. Também não faltam relatos de socialistas perseguidos como coelhos por comunistas no Alentejo ou encontros democráticos do CDS boicotados à lei da bala. E que dizer do Património espoliado, só por ser religioso?

Acabaram-se com as Escolas Profissionais, todos tinham que ser doutores e engenheiros e muita gente exibe o diploma conquistado na secretaria. As Escolas Primárias, “covis de fascistas”, foram substituídas pelas Escolas de Ensino Básico. Até o Sol, quando se vestia de laranja, era reaccionário.

Não quero com isto dizer que o 25 de Abril não tenha sido um acontecimento extraordinário nas nossas vidas, claro que foi, mas também não gosto que se mitifique ou não se diga a verdade toda. Há, por outro lado, uma retórica de circunstância ano após ano repetida, da esquerda à direita, que dá a sensação que a nossa missão acabou em 1974, ano da Salvação da Pátria.

Parece que acabaram as greves dos professores, dos enfermeiros que trabalham “que nem uns galegos” ou das forças de segurança.

Parece que o sucesso escolar atingiu os pináculos da Estrela.

Parece que não há demoras de anos por uma consulta hospitalar nem crianças com doenças oncológicas a receber tratamento em corredores desumanos.

Parece que acabou o desemprego, os ordenados de miséria, a precariedade.

Parece que ninguém paga impostos elevadíssimos, ivas, imis, irs, etcs.

Parece que já ninguém ouve o “toma e cala-te, se não queres há outro para o teu lugar”.

Parece que a Cultura tem uma grande pujança e que não faltam apoios a companhias de Teatro, Encontros de Cinema ou de Literatura, editoras, artistas não académicos, etc..

Parece que a nossa mentalidade se tornou mais aberta e tolerante, mas não suportamos o mínimo sucesso do vizinho. 

Parece que não há corrupção, tráfico de influências, violência doméstica.

Parece que não há uma ignorância crassa da História Portuguesa (há dias perguntei a um jovem o que era o 25 de Abril de 1974 e respondeu-me que “foi quando corremos com os espanhóis”).

Hoje lembro-me de 1975, era sexta-feira e comprava o bilhete em Santa Apolónia para Castelo Branco. Aproximou-se de mim um ardina aos gritos:

- Quer “A MERDA”?

- Só quero um bilhete para Castelo Branco.

- Compre “A MERDA”, é o jornal mais lido em Portugal.

 

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Abril/2018

Imagens retiradas da web