ESTÁS LICHIADO COMIGO, Ó BARBOSA!

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Eu sei que não devia, mas hoje cometi um pecado: abri ao acaso a página de uma Lux de Maio enquanto esperava por coisas. O nível de enfado que uma pessoa atinge para se lançar a uma Lux (de Maio, ainda por cima; já desactualizada, sem as novidades escaldantes dos famosos no Verão) só pode estar próximo de toda a vida de um Manuel Queiroz.

Apanhei Humberto Barbosa - diz a revista que um verdadeiro «especialista em nutrição e longevidade» - e o seu fabuloso tratado sobre a líchia, de prometedor título "O poder da humilde líchia". A medo - talvez terror seja mais preciso - atirei-me para este sublime documento com a vontade de um Tavares em San Siro ou de uma Rita Ferro para a Literatura e li:

«Imagine que come dez líchias a meio da manhã… Pois basta fazer a cama para gastar a energia dada por esta frutinha. E outra vantagem é que com apenas meia dúzia de líchias obtém a dose diária aconselhada de vitamina C».

Não sei o que, do texto de Humberto Barbosa, escandaliza mais: se o imaginar a promíscua ingestão de dez líchias a meio da manhã - e porquê só a meio da manhã?; ao fim da tarde, por exemplo, há ali uma hora extraordinária para imaginar que como dez líchias; ou mesmo à noitinha, enquanto vemos as estrelas, é proibido alambazar dez líchias de madrugada? -, se a ditatorial insinuação (escudada num perverso "basta") de que os leitores fazem a cama e logo para gastar energias!; se, e aqui é que a minha relação com Humberto Barbosa se tornou incompatível, a líchia deve ser vergonhosamente apelidada de «frutinha».

Será menos que um pêssego, a líchia, ó fruto-preconceituoso Barbosa? Um alperce, um morango, uma goiaba, uma manga, um dióspiro possuem direitos a que uma líchia não pode almejar? Frutinha é o caralho. A líchia merece respeito, a líchia tem direitos, a líchia lixa-se para o Humberto Barbosa, a líchia é linda, a líchia tem uma casa em Monte Gordo, a líchia come cerejas ao pequeno-almoço, a líchia come o que quer. A líchia quis. 

Ricardo Silveirinha