“Clitóris” …

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Acabo de ler uma entrevista interessante em que a cientista Jessica Hamzelou faz referência ao clitóris de golfinhos. São grandes, tecido erétil abundante e tem inúmeras terminações nervosas sob a pele, que é um terço mais fina do que as zonas adjacentes. A cientista recusa que o clitóris seja um mero minipénis. A sua função, fonte de prazer, leva os animais a práticas sexuais, homo e hetero, sem quaisquer objetivos de reprodução. Mesmo assim é fonte de controvérsia, ou seja, se tem uma real atividade funcional ou se é um “subproduto”. Eu inclino-me para a primeira hipótese.

A este propósito, recordo ter escrito há muitos anos um pequeno texto intitulado, “Mutilação genital feminina e o Amor Veneris”, a propósito da discussão de um projeto-lei na Assembleia da República com o objetivo de incriminar autonomamente a mutilação genital feminina, uma grave ofensa à integridade física e emocional das meninas. Aquando da sua apresentação recordei-me de alguns aspectos, uns de natureza histórica e outros de natureza literária. Aliás, é até possível fazer uma ponte entre os dois. Basta para o efeito ler a obra do escritor argentino Frederico Andahazy, “O Anatomista”.

O "descobridor” deste órgão, inexistente:no princípio do século vinte e um em cerca de 140 milhões de mulheres, sobretudo africanas (pela extirpação mais ou menos completa), foi Mateus Reinaldo Colombo, professor de anatomia em Pádua. Na sua obra, “De re anatomica”, publicada em 1559, está descrita, esta pequena, mas preciosa, protuberância. Como prova do entusiasmo da sua descoberta, destaca-se a célebre frase "Oh! minha América, minha doce terra achada", comparando-se deste modo ao outro Colombo que tinha descoberto o Novo Mundo. E por que não?

O Anatomista descreve a vida romanceada deste médico e a forma como descobriu a função de algo, a quem atribuiu a origem do amor feminino, ao rotulá-lo de “Amor Veneris”. Se Inês de Torremolinos, a mulher que permitiu ao mestre a descoberta, acabou por prescindir do amor, ao excisar-se voluntariamente do seu “Amor Veneris, vel Dulcedo Appeleteur”, para ser senhora do seu próprio coração, nada justifica esta prática ancestral, praticada em tantos países.

Mateus Colombo quis colocar neste órgão a sede do amor, e sabia quais os riscos de tanto atrevimento. No século XVI, a possibilidade de ser “churrascado” é do conhecimento geral, e o “descobridor” tinha particular repulsa pelo cheiro de carne humana queimada. Mesmo

assim, conseguiu transmitir aos vindouros a sua descoberta, contribuindo para a emancipação da

mulher.

Afinal, onde está localizada a sede do amor? Numa extensão que vai desde o “Amor Veneris” ao coração, ou do coração ao “Amor Veneris”.

O que diria Mateus Colombo sobre este achado a propósito dos clitóris dos golfinhos e suas práticas sexuais?

Diria que esta simpática e inteligente espécie não é muito diferente da nossa.

Salvador Massano Cardoso.