À ATENÇÃO DO BLOCO DE ESQUERDA

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A estória conta-se numa penada: estes dois manos ingleses de boa pinta tinham sido condenados a três anos de cadeia por tráfico de droga. Tendo manifestado em pleno tribunal o seu arrependimento sincero, a juíza Beverley Lunt, senhora bondosa, mandou-os para casa com pena suspensa. E eis que ainda não era decorrida uma hora de liberdade que os manos colocam no Facebook uns postes a gozar a juíza. Um dos manos – o que está à esquerda na foto – teve até uma curiosa manifestação de afecto pela magistrada, escrevendo: "Beverley Lunt go suck my dick", o que em português se poderia traduzir por "Beverley Lunt, chupa-me o Bernardo." A juíza, alertada, mandou-os regressar à choldra.

Está mal. Não há qualquer prova de que o arrependimento não tenha sido sincero. Deixou de existir uma hora depois? Mas deve o tribunal punir quem tem uma baixa endurance mental (ver retratos)? Deve o tribunal discriminar em função do QI? Ou mesmo, deve o tribunal decidir com base no que "se" diz? Não há, no que se diz, uma inescapável carga de subjectividade, bem estudada aliás pelos teóricos da literatura pós-moderna, que demonstram que a linguagem tem uma especificidade de classe e reflete o "mundo de valores" de cada actante? O "chupa-me o Bernardo" pode ter sido, atrevo-me a dizer, terá sido aqui muito provavelmente uma manifestação de carinho pela senhora juíza, expressa na linguagem própria da mundividência dos dois irmãos arrependidos. E que a juíza tresleu, vítima de uma consciência de classe pequeno-burguesa que, por mais boa vontade redentora que ela tenha revelado, continua dentro dela, intocada. Foucault e Derrida, entre outros, mostraram que os conceitos de norma e de transgressão são dependentes dos referenciais sócio-psicológicos em que se cresce e em que se consolida a consciência de si e do mundo circundante e que as classes dominadas são escravizadas, não apenas materialmente, mas linguísticamente, pela imposição de terminologias e de "modos de dizer" sancionados pela classe dominante e impostos na escola e nos media. Em Portugal, o Observatório das Ciências Sociais da Universidade de Coimbra tem mostrado, nos seus estudos empíricos sobre a justiça e a normatividade perversa do positivismo lógico e pseudo-objectivo do hemisfério norte (Boaventura de Sousa Santos, 2013) que a linguagem é uma arma carregada, invariavelmente sempre ao serviço do poder instalado.

 

 

Há ainda muito a fazer pela modernização da justiça.

                                                                                                                                                                                                                                                   José Costa Pinto