A angústia do dirigente na iminência do embate

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— Estou ansioso, Lampreia! Achas que vamos conseguir mostrar um bom jogo no domingo?

— Presidente, estou convencido de que vai ser dos melhores da temporada.

— Ah, ótimo! Adoro desfrutar de uma partida de futebol, no seu conceito mais puro: o embate vigoroso entre duas equipas de garbosos mancebos, virtuosos no tratamento de uma bola com os pés, envolvidos numa sã competição inspirada no lazer varonil, e comandados por duas mentes altamente estratégicas que analisam ao pormenor as forças e as fraquezas da equipa adversária.

— Felizmente, nisso, somos dos melhores.

— O adversário é difícil, hem!?

— Muito difícil! Tive de chegar aos oitenta mil.

— Então, quer dizer que estamos com força anímica para vencer!

— Com tendência para 3–1. É o que está combinado.

— 1?

— Presidente, fica sempre bem um golo de honra, para abrilhantar a nossa vitória.

— Mas, atenção; a forma física deles parece estar em alta.

— Sim, mas a preparação física de véspera vai incluir uma jantarada bem regada. Só para alegrar um pouco a noite.

— Jantarada é uma boa solução. E os nossos, estão motivados?

— Muito! Já lhes lembrei que a claque ficaria muito aborrecida se eles não se esforçassem.

— Ah, pois ficaria! E não é para brincadeiras…

— Para nenhum se esquecer disso, já marquei uma conferência de balneário para a próxima sexta.

— Conferência de balneário parece-me bem. E os árbitros?

— O costume: nevadas ou bombons, conforme os gostos. Nevadas russas e chocolatinhos de Cabo-Verde.

— Não há nenhum com gostos menos exóticos?

— Um preferiu doces de São Gonçalo de Amarante.

— Muito bem, Lampreia! Gosto de ver tudo bem encaminhado, mas, sabes, às vezes, temo que este desporto transmita, aos mais novos, uma imagem de competição desregrada; que se perguntem onde fica o desporto pelo desporto, o prazer do esforço físico, o ideal de que o importante não é a vitória, mas sim a participação.

— O clube tem sempre a participação como lema. Queremos que as claques compareçam massivamente no estádio, com todos e com tudo — cornetões, matracas, very lights —, sobretudo quando a bancada adversária for poderosa. A bola é redonda e o nosso clube não tem proteção celeste, digamos assim.

— Muito bem, Lampreia! E a pedagogia social, o fair play, a gentileza para com o adversário? Não nos esqueçamos de que os jovens copiam, na vida de todos os dias, o que observam em campo!

— Se o Paulinho Quebra-ossos tiver que meter os pitões na fronha do Juvenal Gazela… é chato, mas é a vida. Às vezes, é a única maneira de acalmar um espírito demasiado fogoso e impedir um golo certo. Aí, é altura de o Juvenal mostrar o seu fair play e dar a outra face, não é?

— Isso mesmo. Aprecio o espírito cristão.

— Os espectadores gostam sempre de ver uma boa metáfora bíblica. Estamos à espera de quarenta mil.

— Como é isso, Lampreia? Pensei que o estádio só comportasse trinta e três mil!

— É! Mas não pude suportar a imagem de sete mil rostos juvenis, chorosos por não conseguirem ingresso.

— Ah! Muito bem, Lampreia!; vejo que tens bom coração.

— Obrigado! O desporto sadio toca-me fundo. Acredito que é o melhor sustentáculo de mentes saudáveis e um formidável gerador de cidadania responsável.

— Estou absolutamente de acordo. Isso e uma imprensa livre que o promova e o valorize.

— Sim, sai amanhã mais uma dose das escutas aos nossos adversários, que enviei aos jornais de referência: Offside, Penalty e Hat-trick.

— É isso que precisamos: jornalismo desportivo de investigação.

— Já avisei os repórteres que a avença está a pagamento.

— Perfeito, Lampreia! O desporto deste país nem sabe quanto te deve. Nem o clube de todos nós.

— Cerca de seis milhões. Já fiz as contas. Mas não se preocupe; o perdão do empréstimo bancário do Banco de Benemerência Nacional ao clube já está assegurado.

— Nem sei como te agradecer, Lampreia!

— Sugiro um apoio vigoroso do clube à minha candidatura autárquica!

— Podes contar com ele, Lampreia! Um amigo na Câmara é bom para o clube e é bom para o desporto. Bola para a frente!

Joaquim Bispo

Contos e outras fulgurações literárias

Imagem:

Caravaggio, Os batoteiros, c. 1594.