Editorial 14-05-2022

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Autor retrato

De olhar fixo no seu retrato, a voz de outros não se fazia ecoar. Havia mundo lá fora sem que pudesse interferir na sua vasta tranquilidade. Estava habituado ao desvario alheio e nunca se perguntava por que razão haveria de reflectir sobre tal assunto.

Aproximava-se aquela noite, aquela noite tanto aclamada, aquela noite tão desmedida quanto o choro de um recém-nascido ofuscado pela claridade do real ou dum Sim bem aprumado, bem centrado numa boca sedenta de amor.

Os tempos tinham mudado, dizia-se baixinho e pautada mente a si mesmo, enquanto se admirava com uma inconsciência narcísica colocava as mãos no peito e sentia aquela batida incessante, regular que ansiosamente o enlouquecia de solidão.

De olhar esquivo no tempo, aquele seu retrato perdia brilho, intensidade, perdia idade e envelheciam ambos como se tivessem viajado pelo mesmo parto. Ninguém lhe dissera que o tempo tudo leva, que o tempo nem tudo traz e, na sua efémera beleza reencontrara a sua paz.

Os tempos tinham mudado e a vida continuara a passar-lhe pelos dedos ainda calejados das folias da labuta.

Aproximava-se de si e desconhecera os porquês de toda a sua existência.

Naquele retrato somos nós…

 

Autoria de Sofia Geirinhas

A poetisa de pé-descalço

(Não respeita o AO90)

Cébazat, dia 14 de Maio de 2022

Imagem retirada da net