Saudades & Ficções – Os Domingos Festivos da Briosa

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[Antigamente, ao domingo, eu ia à bola de mão dada com o meu pai]

O Domingo era como se fosse um ritual. O pequeno-almoço era especial porque era cacau com torradas e eu (guloso) até sindicalizava com a minha mãe para apurar o motivo por que não haveria ela de nos dar cacau todos os dias. A minha mãe explicava-me sem na verdade me explicar, porque omitia o pormenor relevante de não ser o custo do cacau para a bolsa diária do meu pai, bolsa que não se multiplicava com a utilização de cartões de crédito, que ainda não existiam. Depois íamos à missa dominical, e os mesmos do costume, incluindo o meu pai, lá se juntavam a um cantinho do jardim que circundava a linda igreja matriz, depois da missa, a conversar em código sobre contestações à ditadura e sobre o jogo da tarde a que também assistiríamos, sempre atemorizados com a proximidade de algum bufo da polícia de intervenção e de defesa do estado, uns «sacanas» - comentavam os mais velhos e atentos.

[Hoje, passados todos estes anos, até me rio sozinho, parecia que estavam a falar crioulo]

Todos os Domingos, para além do prato forte ser estar sempre a falar da nossa Briosa, a ementa era quase sempre a mesma, com excepção dos dias de Páscoa e de Natal e das festas de casamento ou de baptizados, que na altura eram muitas porque os namorados gostavam de se casar e de baptizar os filhos que faziam em prol da densidade populacional que andava em fase ascendente: caldo verde com rodelas de linguiça, frango assado no forno acompanhado de batatinhas salteadas, esparregado quando era tempo de grelos de nabo ou de espinafres, fruta da época e gelatinas variadas, de vários sabores. E era-me permitido beber um copito de vinho misturado com laranjada.

[O meu pai defendia que o vinho, antes dos dezoito, não era aconselhável à rapaziada, para não atrofiar a memória nem prejudicar os raciocínios em fase escolar]

O meu pai e os amigos compravam sempre o bilhete para o peão (não dava para mais), de véspera, para se evitarem as grandes aglomerações no dia dos jogos, onde sempre aconteciam algumas algazarras porque sempre havia quem se pusesse à frente de alguém que já se encontrava na fila há horas, a tentar dar o «golpe».

[Tal como hoje - há hábitos que se perpetuam]

Aquilo era giro, ai se era. Eu e os meus amigos, a maioria filhos de amigos do meu pai, vibrávamos com aquilo tudo - todos vestidos de acordo com as cores da nossa Briosa, da nossa Académica. Alguns deles, dos amigos do meu pai, faziam-se acompanhar pela família inteira, e eu e os meus amigos aproveitávamos a festividade para conhecermos as raparigas que andavam nas escolas femininas porque, naquele tempo, na escola, cada sexo do seu lado.

[Foi num jogo de futebol daqueles tempos, que conheci a minha Maria, que ainda hoje é a minha Maria, com quem fiz três casalinhos, seis filhos portanto, uma jóia de filhotes – todos fãs da minha (nossa) Académica, como não poderia deixar de ser]

Os jogos começavam a horas decentes para todos, nesse tempo não havia dependência dos horários exigidos pelas pressupostas audiências televisivas, até porque ainda não havia televisão. Às quinze, ou às dezasseis, consoante a estação, o jogo começava, e com ele a vozearia dos golos metidos ou sofridos pelos nossos, os abraços e as alegrias a comemorar quando a favor, os palavrões e os gestos feios com os dedos quando contra.

Quando ganhávamos, era uma delícia. Os pais iam ao seu copo de três e à sua sandes de courato e nós, os miúdos, tínhamos direito a uma fartura bem untada de açúcar e canela. Quando perdíamos, nós - os miúdos - ficávamos calados e quietinhos, porque sabíamos que qualquer palavra solta poderia dar aso a uma reprimenda imerecida.

Por sorte, ganhávamos muitas mais vezes. E as alegrias eram muitas mais. E não havia debates patéticos na televisão para falarem de futebol sem falarem de futebol, que apenas nos fazem perder tempo, do pouco tempo que temos para nós e para vermos um pouco de informação sobre o desporto de que gostamos.

E, por hoje me ter dado para estas nostalgias, dei por mim a ler o Diário da minha cidade e a questionar-me, depois de consultar a secção de desportos: por que motivo não há informação sobre a minha Briosa, sobre o que por lá se passa, sobre o que por lá se anda a fazer? Que «reforços» foram já contratados? Quem foram os «rejeitados» dispensados? Já há SAD, não há SAD? Os dez milhões já chegaram, ou algum dia chegarão? Vamos lutar pela subida? E, depois, se subirmos, vamos estabilizar-nos na “primeira” e, quiçá, lutar pela “europa”? E, quanto a associados: estão a desenvolver-se campanhas para angariar novos sócios? Para se proporcionarem mais receitas? E estão a procurar-se novos patrocínios? O Município continua ausente? E os trabalhadores da instituição: vão “receber” a tempo e horas? E por aí adiante… 

[Pois, hoje, deu-me para isto! Recordei-me com saudade dos domingos em que eu ia à bola de mão dada com o meu pai, para vermos os amigos e a Académica e brincarmos e divertirmo-nos e vermos e falarmos de futebol mesmo a sério. Ai, as saudades que eu tenho desse tempo!]

Jorge Sá

(Jorge Sá não respeita o AO90)

Foto retirada da net