UM DIA NO RIO

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Ninguém se lembrava de tanto calor como o daquela semana de Agosto de 1953. No Bairro, as persianas de madeira estavam todas fechadas. Só as abriam de noite para deixar correr uma aragem que refrescasse as casas.

Mesmo assim, o ar nocturno era quente, abafado…

No quintal do clube do Bairro, naquela noite passava um filme da II Guerra Mundial.

Talvez influenciadas pelas atrocidades da guerra, as mulheres mais piedosas, abraçavam as suas crianças que também viam o filme, concluindo em voz sussurrada que este calor infernal era um castigo de Deus para os horríveis pecados que a humanidade cometia.

Um rancho de casais já tinha combinado ir na manhã seguinte passar o dia ao rio para fugir à canícula. Cestos de verga a abarrotar de croquetes, bolos de bacalhau, pataniscas, pão, torresmos, tachos, fogareiros a petróleo, talheres, toalhas de mesa, garrafas de vinho, bilhas de barro com água e gasosa para os miúdos já estavam preparados. De manhã seria só pegar e arrancar…

A criançada fez o percurso em alegre galhofada e os pais ajoujados ao peso da traquitana que levavam, subiram o Alto de São João e iniciaram a descida para a Portela.

Descarregaram a tralha junto a um dos pilares da ponte, aproveitando a sombra do mesmo e as mulheres começaram logo a preparar o necessário para, mas tarde, assarem as sardinhas compradas de véspera às peixeiras da Figueira que vinham ao Bairro vendê-las.

- “Sardinha da areia! Três dez tostões…”, apregoavam…

Os homens, de fato de banho, deitados na água rasa, nadavam, chapinhavam, riam…

Os miúdos completamente nus corriam na areia, brincavam ao agarra, e em louca algaraviada atiravam-se para a água. Todos sabiam nadar. Tinham aprendido na piscina do estádio…

- Vamos brincar ao submarino? perguntou um dos rapazes ao grupo que o rodeava.

- Vamos! Gritaram todos…

O primeiro deitou-se de costas na água. Os braços estendidos ao longo do corpo, só com os pés a bater foi deslizando em direcção à margem.

Um por um, os outros foram fazendo o mesmo e depois repetiram da margem para o areal com risos e palmas dos que já tinham regressado.

A irmãzita de um dos rapazes, chegou-se-lhe e perguntou:

- Mano, as meninas não podem brincar a esse jogo?

O rapaz, empertigou-se como um oficial alemão e foi peremptório:

- Não, vocês não podem!

- Mas as meninas também querem… insistiu a miúda, a fazer beicinho.

- Não, já disse!

- Porquê?

- Ora…vocês não têm periscópio…

Rui Felicio