Desalinhado! Uma reflexão sobre imagens e bibliotecas

BGUC.png

Sempre vi estas participações breves e impressivas no “Dar corpo a Ideias” como uma outra faceta da comunicação institucional. Portanto, não-assinadas. Abro uma exceção para esta, onde sinto que a minha posição não estará completamente alinhada pela da BGUC e dos restantes colegas bibliotecários.

 

Estou muito convencido de que as bibliotecas, enquanto organizações, e os bibliotecários, enquanto “corporação”, nunca gostaram de imagens. Privilegiaram sempre, compreende-se, as letras, que dominavam perfeitamente. Foram sempre gente “de letras” e desenhos eram para os iletrados: não dizemos ainda hoje “queres que te faça um desenho” quando estamos a supor que o nosso interlocutor é ignorante?

 

Deixem-me contar uma história: em 2002, o Museu Nacional de Machado de Castro fez uma exposição sobre José Contente, ignorando que a BGUC, ali a 100 metros de distância, tinha uma coleção de 93 desenhos e gravuras do pintor conimbricense. E, como podia não ignorar, se estavam por catalogar há mais de 30 anos?

 

De alguma forma, o preconceito subsiste: a iconografia foi (e é) geralmente maltratada nas bibliotecas, em geral. As nossas ferramentas profissionais não estão vocacionadas para as imagens e será bem significativo que, no que diz respeito às ISBDs, desenhos sejam “materiais-não-livro”. Porque o livro ainda é um standard desta profissão.

 

Com mais de 30 anos de trabalho em bibliotecas, aprendi duas ou três coisas:

 

1) Que os nossos Corpora de regras de catalogação são, na maior parte, inúteis porque construídos sobre pressupostos tecnológicos ultrapassados.

 

2) Que a catalogação deve ter, além da correção técnica, uma dimensão artística: há catalogações corretas que são também “elegantes” e outras, igualmente corretas, que não o são.

 

3) Que nenhuma indexação é objetiva: se tiver a sorte de não ser completamente subjetiva, ficará, pelo menos, irremediavelmente datada.

 

4) Que quando um software disser que uma imagem não são “13 homens numa mesa” mas a “Última Ceia”, o indexador humano está condenado.

 

Ora, com a Inteligência Artificial já aí estamos (and beyond!), penso eu, bibliotecário desalinhado, que por esta vez subscrevo.

 

  1. E. Maia do Amaral,

Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra

 

_______________________