CROMOS DO LICEU D. JOÃO III

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(DR. FERREIRA DA COSTA)

 

Algum tempo depois de estalar a guerra em Angola, a Emissora Nacional começou a emitir um programa intitulado “ A verdade é só uma. Rádio Moscovo não fala verdade”.

Tratava-se de uma tentativa de contrariar as noticias e comentários que a rádio moscovita difundia em língua portuguesa acerca do que se passava em Angola e que era ouvida em Portugal, apesar dos esforços do governo em silenciá-la ou de intimidação sobre quem a procurava escutar.

 Essas crónicas radiofónicas da Emissora Nacional eram invariavelmente encerradas com o slogan acima enunciado e “assinadas” pelo autor, com a seguinte frase: “ Daqui, Luanda. Daqui fala Ferreira da Costa!”

Ora no Liceu D. João III havia um professor, homónimo daquele cronista.

 O prof. Ferreira da Costa era uma figura típica que fumava charuto e usava chapéu de coco.

 Esta era a sua imagem de marca, que o identificava quando circulava pachorrentamente pelos corredores durante os intervalos das aulas.

 O Zé Pulga não se dava com ele, e dizia-se que o criticava frequentemente por causa da cinza que ele deixava cair do charuto para o chão, conspurcando-o.

 O Ferreira da Costa, para obviar esse problema e para não azedar as más relações com o reitor, descobriu uma solução expedita, que consistia em mandar os alunos estenderem as mãos abertas para ele ali depositar a cinza do charuto.

 Assim, já não poderia ser acusado de deitar a cinza para o chão.

 Embora ela lá fosse parar na mesma, por interpostas pessoas.

 Numa dessas deambulações pelos corredores, envolto numa espécie de nuvem eternizada sobre a sua cabeça, o Ferreira da Costa deparou-se com a inesperada recusa de um aluno que não quis abrir a mão para receber a cinza.

 É que, explicou-lhe o aluno, a cinza queimava-o por ainda vir quente da ponta do charuto.

 O Ferreira da Costa reagiu, parafraseando o tal programa de rádio:

- Isso não é verdade! Quando a cinza cai na tua mão já vai fria!

- A verdade é só uma, a que eu digo e mais nenhuma!

 - E olha que daqui fala o Ferreira da Costa!

Rui Felicio