ACADEMIA DE COIMBRA A RECEÇÃO DOS NOVATOS EM 1905

 

("O Ocidente - Revista ilustrada de Portugal e do Estrangeiro", 28.º ano, XXVIII volume, n.º 968, 20 de novembro de 1905)

 

A RECEÇÃO DOS NOVATOS

 

A civilização vai modificando os costumes e ainda bem quando acaba com usos insensatos e brutais, em desacordo com as ideias e a educação da nossa época.

Neste caso estava a velha usança do «canelão», na Porta Férrea, e outros maus tratos que se davam aos estudantes novos ao entrarem para a Universidade de Coimbra.

Bem hajam os que reagiram contra a velha usança que a tantos conflitos deu causa e que nenhuma razão explicava a não ser a de uma brutal selvajaria.

Este ano alguns académicos pensaram em acabar com o velho costume e substituí-lo por uma festa literária em que fossem recebidos os novatos. Feliz ideia nascida em almas boas e generosas de rapazes, que quiseram poupar os seus condiscípulos às torturas por que eles passaram ao iniciar os seus trabalhos universitários.

Esta generosa ideia foi recebida com entusiasmo pela maioria dos académicos e elogiada por toda a imprensa do país, que se fez eco de tão justa aspiração.

Para levar a ideia à prática reuniram os académicos e nomearam de entre si uma comissão executiva que ficou assim composta: JOSÉ DE ARRUELA, presidente, HENRIQUE MARTINS DE CARVALHO, JOÃO M. PAMPLONA CORTE REAL, ALFREDO REGO, CÉSAR DE SOUSA MENDES, VASCO F. CAETANO DE QUEVEDO, ALFREDO PIMENTA, AGAPITO PEDROSO RODRIGUES e ARISTIDES DE S. MENDES.

Esta comissão organizou as coisas de modo que a receção aos novatos foi uma verdadeira festa académica, a que os habitantes de Coimbra se associaram com alegria, estando a cidade em festa nos dia 4 e 5 do corrente.

O número do programa que teve mais interesse foi o sarau literário realizado no Teatro do Príncipe D. Carlos, na noite de 4, tendo sido a sala do espetáculo lindamente decorada pelo Sr. Carlos Lobo.

Às 9 horas principiou o sarau, sob a presidência do Sr. Dr. ALEXANDRE BRAGA, tendo por secretários os Srs. JOSÉ DE ARRUELA e MANUEL ALEGRE.

Na qualidade de presidente da ilustrada assembleia, tomou primeiro a palavra o Sr. Dr. ALEXANDRE BRAGA, proferindo um belo discurso com aquela eloquência e elevação de espírito que distinguem este orador, o qual foi muito aplaudido.

Ao terminar este discurso, o Sr. ALFREDO PIMENTA, estudante de Direito, recitou uma poesia de sua composição, dedicada ao Sr. Dr. ALEXANDRE BRAGA.

O Sr. CAMPOS LIMA discursou primorosamente e o Sr. MAURÍCIO COSTA executou ao violino alguns trechos de música com superior gosto de artista.

Seguiu-se o «Auto de Fé de um praxista», engraçada comédia em verso pelo Sr. JOSÉ DE ARRUELA. O Sr. Dr. ALEXANDRE DE ALBUQUERQUE fez um brilhante discurso, e GOMES LEAL recitou uma poesia de sua composição.

A meio do sarau foi lido na mesa o seguinte telegrama de GUERRA JUNQUEIRO, que também se quis associar à simpática festa: «O meu espírito acompanha de longe nessa formosíssima festa de amor, de alegria e de beleza, desejando que todos os anos a renovem como ato de inauguração espontaneamente educativo e luminoso. Saúdo-vos do fundo da alma. – Guerra Junqueiro.»

Este telegrama foi recebido pelo auditório com uma prolongada salva de palmas e vivas ao grande poeta.

Esta brilhante e encantadora festa terminou no meio do maior entusiasmo e alegria, tendo assim um auspicioso princípio os trabalhos universitários deste ano.

Uma outra sessão literária se realizou na sala da Associação dos Artistas de Coimbra, dedicada também à receção dos novatos.

A essa sessão presidiu o Sr. Dr. BERNARDINO MACHADO, tendo por secretários os Srs. ANTÓNIO GRAVE e JORGE AIRES DE CAMPOS (AMEAL), académicos.

Não foi menos animada e interessante esta sessão, em que o Sr. Dr. BERNARDINO MACHADO discursou brilhantemente, assim como o Sr. Dr. CUNHA E COSTA, Dr. JOAQUIM MARTINS TEIXEIRA DE CARVALHO e o novato Sr. ADRIANO DE SOUSA E COSTA.

A Sr.ª D. MARIA DA GLÓRIA PAIVA também pronunciou um discurso, sendo muito aplaudida pelo auditório, e o Sr. HENRIQUE MARTINS DE CARVALHO recitou uma poesia dedicada ao Sr. JOÃO GOMES BORGES PAIS, presidente da Associação dos Artistas.

Assim terminaram as festas em Coimbra, organizadas pela comissão académica para receber os novatos, e nós, publicando os retratos dos seus beneméritos membros, prestamos-lhe a nossa justa homenagem, associando-nos do coração a esta simpática e civilizadora iniciativa.

Mário Torres